*Artigo de opinião
A importância das Comissões Parlamentares na construção de políticas e na fiscalização da gestão pública.
De tempos em tempos somos recordados a respeito do trabalho legislativo realizado por parlamentares durante a investigação de desvios ocorridos na gestão de políticas, bem como na apreciação de matérias que mobilizam a esfera da opinião pública. Esses lembretes costumam ser apresentados por meio de notícias publicadas em jornais e redes sociais, ambientadas, por sua vez, nas cada vez mais famosas sessões de CPI – também conhecidas por seu nome e sobrenome: Comissão Parlamentar de Inquérito.
Segundo dados coletados pela Organização Mundial da Saúde, presenciamos um expressivo aumento no consumo de notícias nesses anos pandêmicos. Desse aumento, destaca-se também a busca por notícias sobre política e sobre o funcionamento das instituições públicas.
A respeito do consumo de notícias sobre política no Brasil, podemos tomar como evidências possíveis do crescente interesse, a profusão de hashtags comentando episódios da vida política nacional, somadas ao acompanhamento, em tempo real, de transmissões veiculadas por emissoras públicas, a exemplo da TV Senado, da TV Câmara ou da TV Justiça. Estas, por sua vez, passaram a ser analisadas pelos chamados “streamers” – pessoas que comentam em tempo real assuntos diversos em transmissões online.
O objetivo geral dessas transmissões realizadas ao vivo pelos streamers que acompanham as CPIs, costuma repousar na tentativa de entendimento, discussão e diálogo a respeito do que se passa na vida pública do país, gerando uma espécie de “CPIflix” – termo este amplamente compartilhado nas redes sociais por usuários de diferentes posicionamentos políticos, em alusão à famosa plataforma de streaming de filmes e séries.
Com o auxílio das redes sociais, a produção legislativa ganhou bastante evidência nos últimos anos. Entretanto, há ainda certa confusão entre a função das comissões e seus impactos na organização das atividades públicas. Desse modo, precisamos responder a primeira pergunta com a qual todo espectador se depara antes de começar a maratona de transmissões da sua comissão favorita:
(1) Afinal de contas, o que é e o que faz uma comissão?
Em seu desenho institucional mais recente, as comissões surgiram com a Constituição de 1988. São espaços consultivos e deliberativos presentes nas duas Casas do Congresso Nacional, ou seja, no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Podem ser formadas separadamente – apenas com integrantes de uma das Casas – ou em conjunto – comissões compostas por representantes tanto do Senado quanto da Câmara, chamadas de comissões mistas.
Cabe às comissões, por exemplo, discutir projetos de lei, realizar audiências públicas com a sociedade civil organizada, convocar ministros de Estado para prestar informações de interesse público, solicitar depoimentos de autoridades e cidadãos em geral, entre outras funções direta e indiretamente relacionadas ao artigo 58 da CF.
Trataremos com cuidado das características do processo legislativo em publicações futuras aqui no Radar IBEGESP, mas, por enquanto, vamos considerar que, entre as principais atribuições do legislativo, está a criação e a análise de leis, bem como o papel de fiscalização específica dos recursos aplicados pelo Poder Executivo. Portanto, as Comissões respaldam essas duas atuações: cada comissão tem um escopo específico, destinado à apreciação de temas de interesse geral da sociedade, de maneira a contribuir para a criação de boas leis que fundamentam o trabalho dos gestores públicos.
A segunda dúvida comum, diz respeito à duração das comissões e pode ser formulada da seguinte maneira:
(2) Todas as comissões são temporárias e motivadas exclusivamente por assuntos pautados pelo noticiário?
No início do século XX, o poeta egípcio Konstatinos Kaváfis nos advertia para uma tendência na qual a repetição diária do noticiário geraria uma certa apatia sobre os leitores de notícias, estimulando uma leitura superficial de questões de interesse coletivo[1].
Pois bem, idealmente uma comissão procura se afastar das influências imediatas das polêmicas diárias, já que a sua função é justamente aprofundar um determinado tema, com o objetivo de encontrar soluções políticas em resposta aos problemas públicos apreciados. Entretanto, certas questões do dia a dia exigem uma resposta institucional imediata, o que torna necessário a criação de comissões temporárias, tal como definido pela Constituição de 1988.
Assim, em relação à perenidade, existem comissões de dois tipos, as comissões permanentes e as comissões temporárias. A diferença básica entre as duas consiste no fato de que as comissões permanentes são espaços já consolidados para a apreciação de matérias e não possuem tempo máximo para a conclusão dos trabalhos. Por sua vez, as comissões temporárias apresentam um tempo máximo para a finalização de seus trabalhos e são formadas de acordo com seus objetivos, definindo-se como especiais, de inquérito ou de realização externa à sede da Câmara.
No caso da Câmara dos Deputados, por exemplo, temos atualmente vinte e cinco comissões permanentes, que tratam de assuntos distintos, tais como educação, meio ambiente, segurança pública, defesa dos direitos das mulheres, entre outros tantos.
As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), que serviram de mote aqui para a nossa conversa, são comissões temporárias com tempo máximo previsto de cento e vinte dias para a conclusão, cabendo a prorrogação por meio de autorização do Plenário. Dentre suas características principais, está a autoridade judicial para definir diligências, exigir a presença de cidadãos e autoridades, bem como de demandar atuação policial de órgãos competentes, desde que não ultrapasse o exercício legal exclusivo do Poder Judiciário.
Resta-nos uma terceira pergunta a responder:
(3) Como se organiza a estrutura de uma comissão?
As comissões são organizadas a partir da noção de proporcionalidade partidária, o que indica uma busca constante para garantir que as diferentes visões de mundo dos partidos políticos nacionais sejam representadas democraticamente durante os trabalhos desenvolvidos, garantindo, desse modo, o princípio da pluralidade previsto pela nossa Constituição.
Como deve ter ficado evidente ao longo deste texto, as comissões se tornaram espaços importantes para a troca de informações e experiências de vários setores da sociedade civil. Nesse sentido, é interessante pensar na representatividade desses espaços. Organizações que trabalham diretamente com educação, por exemplo, podem ser convidadas a levarem suas contribuições, de modo a ajudar na construção de propostas parlamentares bem fundamentadas, eficientes e eficazes do ponto de vista do conhecimento técnico e democrático acumulado por esses grupos, estabelecendo tanto a agenda, quanto a definição legal de políticas públicas capazes de conjugar modelos top-down (de cima para baixo) e bottom-up (de baixo para cima).
Nas próximas colunas, conversaremos mais sobre a produção legislativa e executiva, bem como sobre seus impactos na gestão pública. Até mais!
[1] Trata-se do poema Tediário, que está presente na reunião Konstantinos Kaváfis: 60 Poemas, traduzido por Trajano Vieira. O poeta brasileiro Haroldo de Campos, por sua vez, prosseguiu com essa perspectiva em seu poema No jornalário, publicado originalmente em 1984, na obra Galáxias.
*Os artigos aqui divulgados são enviados pelos redatores voluntários da plataforma. Assim, o Radar IBEGESP não se responsabiliza por nenhuma opinião pessoal aqui emitida, sendo o conteúdo de inteira responsabilidade dos autores da publicação.
César Niemietz é mestre em Sociologia pela USP e desenvolve atualmente pesquisa de doutorado a respeito das relações entre advocacy, gestão pública e políticas educacionais no Brasil.
Tags:
CPI, Gestão Pública, Matérias