Impactos da Covid-19 sobre os contratos administrativos

13 set, 2021 ● 8 minutos

Alternativas aos contratantes diante do cenário pandêmico

A pandemia da Covid-19 está causando reflexos em todos os âmbitos da sociedade e por se tratar de uma situação totalmente imprevisível, também trouxe reflexos no âmbito dos contratos administrativos em andamento.

Desta forma, para tratar deste assunto tão importante, o Radar IBEGESP contou com a participação de Márcia Walquíria, pós-doutora em Gestão de Políticas Públicas e doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP, com vasta experiência na área de Licitações e Contratos Administrativos.

Em sua entrevista, a profissional destaca quais os principais impactos da pandemia sobre os contratos administrativos em andamento, apresentando alternativas às partes contratantes para solução dos impasses surgidos durante este período tão desafiador e inesperado.

Confira!

PERGUNTA: Tendo em vista a situação pandêmica que se alastrou nos últimos meses, que acarretou inúmeros reflexos na economia e finanças, ao seu ver, quais os principais impactos da Covid-19 nos contratos administrativos em andamento no Brasil?

Resposta: A respeito dos contratos em andamento, a Lei nº 13.789/2020 – a qual dispõe sobre medidas de enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional (ESPIN) decorrente da Covid-19 – não trouxe regramentos, o que colocou a Administração em difícil posição, no sentido de se valer de regras existentes no cenário legislativo, como a Teoria Geral dos Contratos, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) - Lei nº 13.655/2018, a Lei 8.666/93, entre outras.

Desta forma, o Poder Público teve que se valer das hipóteses de redução do escopo contratual, visto que a Lei de Licitações permite tal medida no seu artigo 65 ou até, em último caso, a própria suspensão contratual, que é viável em razão do inciso XVII do artigo 78 da mesma Lei ("em razão de caso fortuito ou força maior").

A intenção inicial da Administração Pública foi a de manter os contratos, visto que, com tal decisão, seria viável assegurar o emprego dos funcionários terceirizados. Mas, tal hipótese pressupunha que as terceirizadas e seus funcionários continuariam prestando os serviços. A dificuldade é que muitos prédios administrativos foram fechados e o acesso dos terceirizados restou impossibilitado. Assim, de forma geral, o recomendado é que os contratos sejam analisados individualmente para decidir o que fazer com cada um.

Naqueles casos em que os serviços não são essenciais e os prédios estivessem fechados, os contratos poderiam ser suspensos e, nesta situação, a contratada não teria direito a receber do Poder Público, o que, fatalmente, colocaria em risco os empregos dos terceirizados.

Enfim, não é uma matéria que possa ser resolvida igualmente pela Administração Pública em geral sem uma análise pontual de cada ajuste já celebrado.

PERGUNTA: A execução contratual consiste em etapa essencial ao correto cumprimento das obrigações pactuadas entre as partes, por meio da qual é possível alcançar o princípio constitucional da eficiência. Em tempos de enfrentamento de uma pandemia, como deve ser a atuação do fiscal/gestor desses contratos?

Resposta: Em tempos de “normalidade”, a função de gestor ou fiscal assegura o resultado otimizado da prestação de serviços, garantindo a qualidade. Nesse sentido, a sua atividade é de suma importância, havendo a necessidade de desenvolver uma cultura de atuação dos gestores com participação efetiva nas atividades por ele desenvolvidas.

Já em época de pandemia, a sua atuação é duplamente importante, pois, além de suas atribuições normais, há necessidade de adotar medidas excepcionais, instruindo adequadamente o processo, com vistas a subsidiar futuramente eventuais informações a serem prestadas aos órgãos de controle, tanto internos quanto externos.

Uma das suas principais atividades agora é identificar no contrato que exerce gestão se é possível seguir adiante da forma como acordado ou se há necessidade de redução do escopo ou mesmo de suspensão. Essa justificativa do gestor será vista nos termos de eventual legislação que sua Administração tenha aprovado e ajudará às autoridades superiores a tomarem decisões mais amplas, no sentido mesmo de implantar políticas públicas neste período.

PERGUNTA: Em razão da pandemia enfrentada, por inúmeros motivos, é esperado que as contratadas deixem de cumprir de forma integral ou parcial o pactuado nos contratos administrativos. Nesse caso, a aplicação das penalidades de forma unilateral por parte da Administração poderá ser flexibilizada?

Resposta: Estamos, sem dúvida, numa fase extremamente delicada, como já dissemos, em que a Administração terá de analisar individualmente a real situação de cada contrato. Eventuais descumprimentos devem ser vistos com muito cuidado, pois é possível que se caracterize uma impossibilidade absoluta da empresa contratada executar o ajuste. Na verdade, a análise de um contrato para fins de aplicação de penalidades passa por uma averiguação das condições concretas da execução, verificando-se se há situações que, de fato, impedem a continuidade do ajustado. E o cenário nacional é de extrema dificuldade, podendo fazer com que as empresas não consigam prosseguir com o contrato.

Por isso a responsabilidade do gestor do contrato, que não aplica diretamente a penalidade, mas sugere à autoridade superior que o faça. E o juízo de conveniência e oportunidade na imposição da penalidade deve ser cuidadoso e levar em consideração todo o cenário, não só das partes, mas da sociedade e do Estado brasileiro.

PERGUNTA: Na sua opinião, a solução pautada no diálogo entre todas as partes envolvidas pode ser um facilitador para o enfrentamento aos problemas acarretados pela Covid-19?

Resposta: O diálogo e a negociação entre as partes envolvidas em um contrato são pressupostos de bom relacionamento, em qualquer época, quanto mais diante da pandemia da Covid-19. Igualmente, a solução negociada se torna uma excelente alternativa, visto que o Direito e a legislação, muitas vezes, não dão todas as respostas que se pretende obter em momentos de exceção.

Assim ganha protagonismo a consensualidade na Administração Pública pelas vias da mediação, conciliação e arbitragem, afastando o monopólio da jurisdição para se conduzir a uma fórmula de composição. O Poder Público passa a adotar os meios alternativos de solução de litígios, com objetivo primordial de promover o consenso na Administração Pública e torná-la menos imperativa e mais propensa à negociação, acordos, conciliação e ponderação de interesses, respeito a direito dos particulares.

Desta forma, aumenta a confiança em uma composição amigável no âmbito dos contratos administrativos e, com certeza, essa é uma alternativa que tem tudo para dar certo, em especial em épocas como a que estamos vivendo.

PERGUNTA: Há algum tempo e inclusive no projeto para a Nova Lei de Licitações, fala-se sobre a necessidade de desburocratização no âmbito das contratações públicas. Você acredita que todos estes desafios vivenciados em razão da pandemia da Covid-19 poderão acarretar a flexibilização da atuação administrativa?

Resposta: Sem dúvida, com o isolamento social e o teletrabalho os servidores públicos se viram impulsionados a agir em outros patamares, passando a adotar práticas não habituais.

O próprio home office não é usual na Administração Pública (com raras exceções), que prestigia e valoriza a presença do servidor público no local do trabalho. Entretanto, muito rapidamente, foram implantadas as quarentenas, em razão da Covid-19, de forma que as equipes passaram a trabalhar de casa, com exceção de alguns serviços essenciais que não puderam ser interrompidos e exigiram a continuidade da presença física dos servidores.

De qualquer forma, pode-se perceber que a maioria dos servidores que contam com equipamentos de informática ou mesmo com acesso a bancos de dados da Administração conseguiram manter uma razoável produtividade em suas casas, demonstrando que o isolamento e a flexibilização de jornada pode ser tornar uma realidade futura.

No que diz respeito aos contratos administrativos, muito do seu procedimento, seja na fase de seleção de empresas, seja em fases posteriores, como a da execução, pode ser menos burocrático, desde que os gestores públicos contem com mecanismos de certificação digital e contem da mesma forma, com o aparato tecnológico necessário.

Entretanto, decidir o que pode ser desburocratizado, depende igualmente, de um estudo mais aprofundado e, muitas das vezes, de alterações legislativas, visto que a Lei 8.666/93 e seus decretos regulamentadores, impõem a obediência a fases e ritos que por serem legais, não podem ser abandonados.

Mas, sem dúvida, a situação pela qual passamos nos traz grandes desafios que impactarão as contratações públicas futuras.