*Artigo de opinião
CF88 foi um marco histórico para a volta da democracia brasileira, transformando as políticas de Estado
A Constituição Federal de 1988, além de ser um marco histórico que define a volta do regime democrático no Brasil, trouxe inovações em diversos campos, dois deles foram os mais relevantes para a sociedade: na organização social e política, assegurando direito de livre associação e funcionamento dos partidos políticos; e na regulação de terras indígenas e quilombolas, respondendo a demandas sociais históricas da população negra e dos povos originários.
Finalmente, a questão da igualdade racial e as demandas sociais foram reconhecidas como problemas públicos pelo Estado brasileiro e entraram na sua agenda de políticas. Com a virada para o século XXI, as políticas afirmativas se tornaram políticas de Estado. A questão racial como um todo entra definitivamente, e pela primeira vez na história, na agenda política nacional, em todas as suas instâncias administrativas, e também nos planos de governo dos políticos e de seus partidos (SANCHES & PERES, 2020).
Houve transformações importantes também nas regras de funcionamento do setor público, conforme consta no Capítulo VII do Título III da Carta, voltado especificamente à administração pública. A nova Constituição trouxe modificações na forma de se planejar e organizar a ação pública e na aplicação dos recursos, ou seja, estabeleceu as novas diretrizes para o processo orçamentário nos três âmbitos federativos (União, estados e municípios). Segundo Pares e Valle (2006, p. 231):
A Constituição Federal de 1988 criou um novo sistema de planejamento público, ancorado no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O instrumento da LDO, sem similar no passado, e a incorporação do planejamento no capítulo de finanças são as grandes inovações no que respeita ao gasto e ao planejamento públicos.
Esse novo paradigma jurídico se institucionalizou rapidamente no Brasil, transformando positivamente as práticas administrativas e orçamentárias nas várias esferas do setor público e criando uma nova realidade, contribuindo com temas de estudos para a academia e atraindo a sociedade civil organizada para o debate sobre as políticas públicas. Abaixo encontra-se uma ilustração que elucida e facilita a compreensão do ciclo orçamentário no nível federal1:
O Plano Plurianual é uma peça de planejamento de médio prazo (quatro anos) que tem poder de legislação, elaborado pelo executivo e amparado no plano de governo que o elegeu, onde estão reunidos todos os programas e ações que nortearão as políticas a serem implementadas nesse período, e só tem validade após a anuência e aprovação do legislativo.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é de periodicidade anual, de hierarquia especial e sujeita a prazos e ritos peculiares de tramitação, destinada a parametrizar a forma e o conteúdo com que a lei orçamentária de cada exercício deve se apresentar e a indicar as prioridades a serem observadas em sua elaboração.
O artigo 165 da CF 88 estabelece que a LDO é instrumento de planejamento e tem como funções básicas: estabelecer as metas e prioridades da Administração Pública federal para o exercício financeiro seguinte; orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual; alterar a legislação tributária e estabelecer a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Já a Lei Orçamentária Anual (LOA) é responsável por, de forma compatível com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, estimar as receitas e fixar as despesas para o exercício que está sendo trabalhado.
Planejamento e orçamento são termos que, no sentido político e administrativo, estão intrinsecamente vinculados, um não existe sem o outro. E isso explica a necessidade de diálogo e articulação permanente entre os poderes executivo e legislativo para aprovação dos planos e legislações orçamentárias que darão base para as ações e gastos do recurso público.
Posto isso, é de inegável importância o acompanhamento frequente da sociedade em torno desses diálogos sobre planejamento e orçamento, para que o executivo cumpra com o prometido na campanha e nos planos de governo, e o legislativo cumpra também com seu papel de fiscalizador do gasto público e exerça o controle necessário sobre o poder executivo, transformando os planos em políticas públicas concretas que impactem positivamente na vida dos cidadãos que mais precisam.
Bibliografia
PARES, A. VALLE, B. A retomada do planejamento governamental no Brasil e seus desafios. In: GIACOMONI, J. PAGNUSSAT, J. L. (Org.) Planejamento e orçamento governamental. 1ª ed. Brasília: ENAP, 2006.
SANCHES, R. A. M. PERES, U. D. O caminho dos movimentos negros na construção das Políticas afirmativas no Brasil: seu processo histórico e as perspectivas para o futuro. In: PEREIRA, D. (Org.). Estudos transdisciplinares em tempos de terra em transe: ambiente, sociedade e pandemia. 1ª ed. São Paulo: Annablume, 2020, v. 5, p. 301-316.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao. Último acesso: 27/02/2022.
1 Fonte da ilustração: https://www12.senado.leg.br/orcamentofacil/download.
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Autor:
Rodrigo SanchesTags:
CF88, Orçamento, Planejamento Público, Políticas Públicas