A importância do planejamento nas contratações públicas

Débora Ferraz

25 jun, 2024 ● 7 minutos

*Artigo de opinião

Conheça o princípio que busca racionalizar as contratações públicas

Este conteúdo faz parte do centro de estudos Licitações e Contratos do IBÊ

A Nova Lei de Licitações trouxe diversos desafios, dando enfoque especial  ao  planejamento, princípio que busca a racionalização das contratações, o alinhamento estratégico e o fornecimento de subsídio aos entes para a elaboração das leis orçamentárias. 

Além do status de princípio, o planejamento caracteriza a fase preparatória do processo licitatório, conforme disposto no capítulo II da Lei nº 14.133/21, sendo um importante aliado na governança das contratações.

Neste sentido, o planejamento adquire na nova lei um papel extremamente técnico e valorativo ao estabelecer regras procedimentais de cunho obrigatório, concretizando de fato seu objeto, aquém de sua finalidade hermenêutica.

Embora dotada de discricionariedade do gestor em sua aplicação, a fase de planejamento objetiva prever acontecimentos, evidenciar os problemas e destacar as soluções antes mesmo de definir e concretizar a contratação.

Louvável se coloca a objetividade dos instrumentais previstos na fase de planejamento, destacados a partir do artigo 18 da Lei nº. 14.133/21, que prevê como critérios a elaboração de:

  • Estudo Técnico Preliminar;
  • Plano de Contratações Anual;
  • Documento de Formalização de Demanda;
  • Mapa de Risco;
  • Termo de Referência;
  • Pesquisa de Preços, Planilha de Composição de Custos;
  •  Catálogo de Padronização;
  •  Dentre outros que se fizerem necessários previamente à concretização do edital.

Nota-se que o sucesso da administração pública em suas compras e contratações depende da fidedignidade e da atenção dos entes voltada para a elaboração responsável dos instrumentais, não somente para atendimento de uma norma, mas para o cumprimento responsável dos requisitos, dando o devido valor ao cumprimento da eficiência e dos requisitos de integridade no bom uso dos recursos públicos.

A fase preparatória é, sem dúvidas, a mais importante etapa das contratações públicas, tendo em vista que a ausência de efetivo estudo e análise, ou o famoso “copia e cola” para cumprimento normativo, acarreta inúmeras consequências ao poder público, como contratações problemáticas, ineficazes e causadoras de enormes transtornos quando da inexecução contratual por parte das contratadas e eventuais apontamentos pela egrégia corte de contas.

Contudo, para os pequenos e médios entes, a fase preparatória da NLLC traz uma complexa e amarga realidade, esbarrando na falta de qualificação e na necessidade de observância ao princípio da segregação de funções, tornando-se um verdadeiro pesadelo para seus agentes públicos, que mal conseguem ferramentas que possam subsidiar a elaboração de estudos realmente efetivos.

O artigo 187 da NLLC, dispõe que “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados pela União para execução desta Lei”. Sabendo da obrigatoriedade de aplicação das novas normas, diversos órgãos têm utilizado os regulamentos da União, que possui outra realidade institucional, ou reproduzido “cópias” deles, interpretando inequivocamente as normas e se esquecendo da discricionariedade da administração na elaboração de seus documentos, traduzindo a realidade local. Com isso, exigem documentos com estudos complexos para objetos que já fazem parte da rotina de contratação da administração, inclusive com históricos de sucesso em seus contratos exaustivamente já executados.

Certo é que os novos memoriais exigem um conhecimento técnico mais conceitual e um olhar mais cuidadoso para as novas contratações, todavia, esbarra-se novamente na necessidade premente de reestruturação dos serviços, principalmente na obrigatoriedade da observância do princípio da segregação de funções, que anda de mãos dadas com o princípio do planejamento.

Destarte, os pequenos entes, com sua insuficiência de efetivo, procuram uma “solução” para atendimento da NLLC, considerando o fato de muitas vezes terem os mesmos servidores para a instrução da fase preparatória, a realização do certame, a gestão do contrato e os trâmites relacionados ao pagamento e à liquidação. Parece irreal que um mesmo agente público exerça várias dessas funções, mas  isso é mais comum do que podemos imaginar.

Desta feita, qual seria a solução para o cumprimento dos princípios de planejamento e da segregação de funções, que caminham lado a lado? 

A solução se mostra, portanto, muito mais fácil do que se pode imaginar: a NLLC apresenta exaustivamente em seu bojo a possibilidade de os entes criarem regulamentos próprios para o cumprimento da Lei nº 14.133/21,  que prevê  a imprescindibilidade de regulamentação  em mais de 30 ocasiões diferentes.

Os autores Flávio Amaral Garcia e Rodrigo Zambão destacam no artigo “Dois aspectos importantes da Lei nº 14.133/21: Regulamentação e Convivência dos Sistemas” o desafio dos Estados e Municípios frente a nova lei, enfrentando a seguinte constatação:

“É certo que haverá um custoso processo de adaptação e maturação relativamente ao futuro diploma legislativo, o que engloba a edição de atos normativos infralegais destinados não só a atender expressas exigências de regulamento presentes em preceitos específicos, mas também a promover uma necessária adaptação da lei à realidade de Estados e Municípios, observados, como não poderia deixar de ser, os limites materiais existentes”.

Posto isto, a solução aos entes depende da criação de regulamentos, resoluções ou decretos que não apenas objetive o cumprimento da NLLC, mas que possam nortear seus agentes na execução de suas tarefas de forma clara, precisa e responsável, visando o mínimo e perfeito cumprimento de seus princípios não apenas por mera liberalidade, mas por prudência e conhecimento.

Tal delimitação deve ainda se orientar no conhecimento de seus agentes, incluindo ainda a valoração individual das habilidades, conhecimentos, experiências e atividades de cada um, que devem ser compatíveis com seus cargos, acima de preferências ou privilégios políticos.

Por conseguinte, considerando o artigo 37 da Constituição Federal, que dispõe sobre a observância de princípios basilares da administração pública, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o princípio do planejamento tem papel fundamental na materialização dos princípios constitucionais, guiando seus agentes para a realização de compras e contratações realmente vantajosas para o poder público, fazendo o uso de boas práticas buscando sempre evitar subjetivismos que permitam brechas para a prática de fraudes que possam ocorrer dentro das próprias repartições.

Finalizando, embora existam diversas dificuldades para a aplicação da Nova Lei de Licitações nos pequenos entes, mostrando-se por diversas vezes como complicadores, o legislador permitiu que cada um aplicasse a norma dentro das suas especificidades. Claro que não por mera liberalidade, mas com as devidas justificativas. Assim, o princípio do planejamento poderá ter sua devida importância consagrada, não só como mero critério preparatório, mas como uma bússola a guiar os agentes públicos para uma nova era de Governança e Integridade.


Autoria: Débora Ferraz é Advogada, Tecnóloga e Especialista em Gestão Pública, Pós Graduada em Direito Administrativo e Constitucional, Pós Graduanda em Ciências Jurídicas Aplicadas à Advocacia Pública e Humanidades. Pesquisadora nas áreas do Direito Público, Políticas Públicas, Ciências Políticas e Sociais. Servidora Pública desde 2012, no município de São João da Boa Vista, atuando no período como Chefe de Licitações, Pregoeira, Presidente da Comissão Municipal de Licitações, Chefe do Setor de Gestão Financeira dos Fundos da Assistência Social, Membro do Conselho Municipal de Assistência Social e do Conselho Fiscal do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de São João da Boa Vista.


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