*Artigo de opinião
Entenda como os desafios de imagem podem impactar na prestação dos serviços públicos
Este conteúdo faz parte do centro de estudos Administração Pública do IBÊ
No mês em que se comemora o Dia do Servidor Público, tem lugar a presente reflexão a respeito das visões que constituem não só a imagem, mas essencialmente a atuação das pessoas responsáveis pela execução das políticas públicas do Estado. Confira a seguir os 3 desafios de imagem que os servidores enfrentam:
Imagem Social: como a sociedade vê o servidor público?
A visão de sociedade do servidor público atravessa a história da administração pública desde o império aos dias de hoje. O início da organização administrativa do país acontece com a chegada da família real portuguesa. Desse período, talvez advenha a principal imagem depreciativa atribuída aos servidores: a figura do privilégio.
Isso porque, naquela época, o acesso aos cargos públicos se dava por indicação ou proximidade com os poderosos e em razão da defesa de interesses do governo colonial. Era essencialmente destinado à elite e à nobreza independente de capacidade ou experiência para ocupação dos cargos. Ao longo das décadas, o serviço público continuou sendo ocupado por indicações políticas e por nepotismo.
Somente na Era Vargas (1930-1945), com a criação do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), o serviço público ganha regulação, profissionalização, organização e modernização e surge a pauta da meritocracia através dos concursos públicos. Muito embora o servidor público tenha sido elevado e reconhecido como a força motriz do desenvolvimento nacional, com maior respeitabilidade e credibilidade, passou também a representar a odiada burocracia estatal.
A Constituição Cidadã (1988) consolidou o regime de concursos públicos trazendo a ideia de maior transparência e igualdade de oportunidades, mas trouxe a ambivalência das críticas quanto aos chamados privilégios como o da estabilidade, instituto que não alcançou a real perspectiva de garantia para o cidadão quanto a nefastas interferências políticas na atuação estatal.
Após mais de 30 anos de Constituição, mesmo com o instituto do concurso público como um símbolo de legalidade e moralidade, emendas constitucionais e outras legislações surgiram como resposta à necessidade de maior eficiência e também de combate à corrupção no setor público. Alguns casos emblemáticos, que ganharam a repercussão midiática do mundo moderno, contribuíram para macular ainda mais a imagem do servidor público.
O serviço público é, ainda, alvo de críticas quanto ao seu custo para os cofres públicos, especialmente no que tange ao impacto dos salários e aposentadorias. Nunca sendo visto como parte do investimento na implementação de políticas públicas para a população, mas sim como responsável por gastos que geram crises econômicas e demandam constantes ajustes fiscais.
Toda essa construção histórica impactou na visão da sociedade, com aspectos negativos ocupando destaque na avaliação da importância do trabalho dos servidores e do desempenho das instituições públicas, com consequências inclusive no contexto político e econômico do país.
Imagem organizacional: como as organizações públicas, os gestores e as lideranças veem o servidor público?
A gestão pública ainda opera amplamente no formato de comando e controle, postura reforçada pela necessidade de observância da legalidade estrita em sua atuação.
Desse modo, falta espaço para que os servidores possam atuar com autonomia, criatividade e inovação. Há poucos mecanismos de reconhecimento, critérios pouco claros para ocupação de cargos de chefia e comprometimento do rendimento por falta de capacitação de lideranças. Os ambientes organizacionais carecem de políticas de qualidade de vida no trabalho e a sobrecarga é uma realidade em quase todos os setores.
Some-se a isso a mais dura realidade para gestores públicos que é a histórica campanha de desprestígio do serviço público que faz parecer, muitas vezes, inútil qualquer esforço de eficiência.
Algumas organizações, ao atender aos apelos político-econômicos, tratam com desimportância o corpo de servidores comprometendo sobremodo a coesão na prestação dos serviços.
Ainda existe a predominância do estilo hierárquico, autoritário e burocrático no qual os servidores são vistos como meros executores de tarefas e cobrados por resultados quantitativos. A necessária mudança de mentalidade caminha, a passos lentos, com lideranças que adotam uma postura mais inspiradora, participativa e colaborativa e que resgatam o sentimento de pertencimento institucional dos servidores, refletindo em resultados de natureza qualitativa.
Autoimagem: como o servidor público se vê?
A autoimagem do servidor obviamente resulta também da forma como ele é visto pela sociedade e pelas organizações.
As demandas sociais são intermináveis e o Estado não consegue fazer frente a todos os desejos de bem-estar da sociedade. Ao personificar as lacunas do Estado, automaticamente, o servidor se torna o principal culpado de toda a insatisfação coletiva.
Nesse cenário, sem amparo suficiente em suas organizações, sem reconhecimento social do valor de seu trabalho, os servidores acabam por se sentirem desestimulados, desvalorizados e sofrem forte abalo em sua autoimagem como trabalhador. O resultado disso é um grande número de pessoas acometidas dos mais diversos adoecimentos que comprometem ainda mais a prestação dos serviços revelando-se um prejuízo para toda sociedade.
O servidor, hoje, se divide entre o esforço de mostrar o seu valor para sociedade, para organização e até para própria família e a apatia do desengajamento que o faz trabalhar apenas por salário, contando os dias de uma aposentadoria cada vez mais distante e incerta. Há, apesar disso, os que ainda perseveram e acreditam na sua valorosa contribuição na implementação de políticas públicas tão necessárias à população; que amam seus trabalhos e que fazem a diferença em nossas cidades, estados e país. Atuam por pura vocação! Que a sociedade e as organizações possam entender a inestimável contribuição dos servidores para que tenhamos dias melhores para todos.
Autoria: Adriana Faria, professora e palestrante com experiência de cerca 30 anos no serviço público. Trabalhou pela implementação de políticas de valorização e bem-estar dos servidores, compôs a Comissão de Qualidade de Vida no TJDFT e foi a 1a Secretária Executiva de Valorização e Qualidade de Vida do Governo do Distrito Federal, conquistando, para o GDF, a certificação ouro no Prêmio Nacional de Qualidade de Vida da ABQV - PNQV 2021 e a certificação prata no PNQV 2022 - por ações, projetos e programas pioneiros implantados para atender cerca de 150mil servidores. Como professora, ministrou aulas em universidades, na Escola Nacional de Administração Pública, na Escola de Governo do DF, na Escola Superior de Gestão do DF e na Escola de Formação Judiciária do Tribunal do Justiça do DF. Atualmente é membro da Associação Brasileira de Qualidade de Vida e embaixadora do Movimento Gerar Bem-Estar da ABQV.
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Autor:
Adriana FariaTags:
Gestão Pública, Reflexão, Servidor Público