A complexidade na definição de ramo de atividade segundo a Lei 14.133/2021

Maike Marques

28 maio, 2024 ● 4 minutos

*Artigo de opinião

Entenda os desafios e implicações

Este conteúdo faz parte do centro de estudos Licitações e Contratos do IBÊ

A promulgação da Lei nº 14.133, de 2021, conhecida como a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, trouxe à tona discussões relevantes sobre sua natureza predominantemente gerencial. Essa legislação impõe que cada entidade pública deve adotar sua própria regulamentação, o que levanta questões importantes sobre como os diversos órgãos interpretam e aplicam seus preceitos.

Um dos pontos que merece destaque é o artigo 75, parágrafo 1º, inciso II, da referida lei. Esse trecho estipula que, para a determinação dos valores que se enquadram nos limites estabelecidos para dispensa de licitação em razão do valor, incisos I e II do mesmo artigo, deve-se considerar o total das despesas realizadas com itens de mesma natureza, ou seja, pertencentes ao mesmo ramo de atividade. Contudo, a legislação não oferece uma definição clara do que constitui esse "ramo de atividade", deixando a tarefa para regulamentações complementares.

A Instrução Normativa SEGES/ME Nº 67, de 8 de julho de 2021, veio preencher essa lacuna, pelo menos para a Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, assim como para os órgãos e entidades estaduais, distritais ou municipais que executam recursos da União provenientes de transferências voluntárias. Essa normativa estabelece diretrizes para a definição de ramo de atividade, mas sua adoção sem questionamentos por muitos órgãos revela um desafio maior: a necessidade de uma padronização que transcenda as particularidades de cada entidade.

A divergência nos conceitos, métodos e parâmetros adotados por diferentes órgãos, em comparação à Administração Pública direta, que segue as orientações da SEGES, evidencia um potencial risco. Desalinhamentos na interpretação e na aplicação dos critérios para aferição dos valores podem levar a imprecisões e, consequentemente, a responsabilizações por parte dos gestores e demais envolvidos no processo de contratação. Por outro lado, temos que as particularidades da Administração podem exigir que determinados ramos de atividade sejam ampliados ou regulamentados de forma diferente. Por exemplo, um hospital que compra medicamentos pode enfrentar dificuldades se todos os medicamentos forem restritos a um único ramo de atividade, comprometendo sua capacidade de suprimento. Assim, fica a questão: até onde a Administração pode chegar na regulamentação do ramo de atividade?

Um exemplo prático dessa complexidade é observado na utilização de sistemas distintos para a seleção de fornecedores e para a gestão de contratos. Enquanto o Compras.gov.br, utilizado no metaprocesso de seleção do fornecedor, baseia-se no Padrão Descritivo de Materiais (PDM) ou na descrição dos serviços conforme os sistemas de catalogação do governo federal, os sistemas de gestão de contratos podem adotar critérios completamente diferentes, como contas contábeis, classificações do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP) ou ainda cada ente regulamentar.

Esse cenário aponta para a necessidade urgente de harmonização entre os sistemas e conceitos utilizados pela Administração Pública, para evitar discrepâncias que possam afetar a eficiência e a legalidade dos processos de contratação. A definição de ramo de atividade, conforme estabelecido pela Instrução Normativa SEGES/ME nº 67/2021, é apenas um exemplo de como a falta de uniformidade pode gerar complicações práticas, ressaltando a importância de uma abordagem mais integrada e coerente na aplicação das regras de licitação e contratação pública.

Em resumo, enquanto a Lei 14.133/2021 representa um avanço significativo na gestão de licitações e contratos administrativos, a experiência prática de sua implementação destaca a necessidade de diálogo e cooperação entre os diferentes níveis da administração pública. A busca por clareza, objetividade e humanização no texto legal não apenas facilita sua compreensão e aplicação, mas também contribui para a construção de um sistema de contratação pública mais eficiente e justo. Se o seu órgão recepcionou a Instrução Normativa SEGES/ME nº 67/2021, é bom verificar se a aferição está de acordo com o conceito de ramos de atividade definido na normativa.


Autoria: Maike Marques é administrador, formado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC Campinas (2008). MBA em Gestão Pública, pela UniBF (2021). Oficial da reserva do Exército Brasileiro (2018), com mais de 10 anos de experiência na área de contratação pública. Pregoeiro e especialista na área de licitações e contratos públicos, com amplo conhecimento no Portal de Compras do Governo Federal.


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