A importância da liquidação para o reconhecimento da despesa

Isabela Montoro

17 out, 2019 ● 6 minutos

Entenda mais sobre o momento mais delicado da realização da despesa pública!

Quando o assunto é Contrato Administrativo, é comum pensar nos moldes do processo licitatório que deu origem à contratação, tais como o Termo de Referência, Projeto Básico, formação de preços, instrumento convocatório, minuta contratual e, o mais relevante, se a condução do referido processo respeitou os princípios gerais da Administração Pública e das Licitações estampados respectivamente no artigo 37, caput e inciso XXI da Constituição Federal e artigo 3º da Lei nº 8.666/1993.

Para além da preocupação do correto andamento dos processos licitatórios, constitui obrigação da Administração Pública acompanhar a fase posterior à seleção da proposta mais vantajosa e consequente celebração dos contratos, correspondente à execução efetiva do contrato, ou seja, a materialização do que foi pactuado entre as partes. Essa etapa é conhecida como a fiscalização dos contratos e alguns aspectos gerais sobre referido tema, como a imprescindibilidade da atuação dos Fiscais dos Contratos, já foram tratados neste artigo.

Porém, hoje falaremos sobre um assunto mais específico, que está diretamente relacionado a um dos momentos da fiscalização da execução dos contratos: a liquidação da despesa. Assim, importante esclarecer, que o assunto corresponde a uma das fases da realização da despesa pública, a qual é composta por três etapas: empenho, liquidação e pagamento da despesa.

Importante salientar que a emissão do empenho ocorre após a realização de uma licitação para atendimento de determinada necessidade da Administração Pública – seja ela a contratação de um bem ou serviço – e corresponde à garantia de parte do orçamento vigente para o pagamento do fornecedor contratado.

Contudo, o pagamento ao fornecedor mencionado anteriormente não será realizado sem que seja feita a liquidação da despesa. Nesse sentido, segue inteligência do art. 62 da Lei nº 4.320/1964:

Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

A partir da leitura do artigo acima resta evidente a importância da fase da liquidação da despesa para que o fornecedor possa receber o pagamento. Referida fase é tão importante que o seu conceito está estampado no artigo seguinte da mesma lei, qual seja:

Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

Essa verificação do direito adquirido do credor (fornecedor) é realizada com o objetivo de apurar alguns aspectos importantes, conforme o que se observa no §1º do artigo anterior:

§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

II - a importância exata a pagar;

III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

Para tanto, a liquidação será baseada por meio de alguns documentos importantes, quais sejam:

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.

Veja, os documentos utilizados de base para a realização da liquidação da despesa possuem relação direta com a fiscalização da execução do contrato administrativo. Exatamente por isso que o fiscal designado para essa função tem por obrigação o acompanhamento da execução contratual de forma minuciosa, anotando em registros próprios quaisquer divergências que venham a surgir quando da entrega do material ou prestação do serviço.

Sendo assim, caso determinada empresa seja contratada para execução de determinada obra e o fiscal do contrato verificar que a execução dessa não está de acordo com o objeto inicialmente pactuado, ele tem por dever atestar e posteriormente informar todas as incompatibilidades, a fim de que sejam aplicadas as devidas sanções pelo descumprimento parcial ou até mesmo total do contrato. Caso não o faça, a aplicação de multas pelo inadimplemento parcial – atraso na entrega de uma obra ou bem, por exemplo – restará prejudicada, acarretando na incorreta liquidação da despesa a ser paga ao credor e, por fim, no pagamento da despesa em valor indevido, gerando prejuízos aos cofres públicos.

Desta forma, segue entendimento exarado por Antônio França da Costa em seu artigo denominado “Aspectos Gerais sobre os Fiscais de Contratos Públicos”, publicado em 2013 na Revista do Tribunal de Contas da União (TCU):

Assim, o fiscal deve ser diligente no acompanhamento da execução do contrato, não atestando de forma desatenta a prestação do serviço, a entrega do bem, a realização da obra, pois esses atos compõem a liquidação da despesa, reconhecem o implemento da condição por parte do contratado, fazendo nascer para ele um crédito perante a Administração, permitindo a autoridade competente realizar o devido pagamento.

(...)

Ao atestar a correta execução do contrato, o fiscal está participando da fase de liquidação da despesa, reconhecendo que houve o adimplemento por parte do contratado, fazendo nascer para o contratado um crédito perante a Administração e permitido à autoridade competente realizar o devido pagamento.

No mesmo sentido, segue entendimento do TCU no Acórdão nº 3037/2015 – Plenário:

O atesto de despesa efetuado sem a efetiva verificação do direito ao crédito do contratado é ato grave, porquanto dá margem à ocorrência de pagamentos efetuados sem a devida contraprestação por parte do credor.

Ademais, importante destacar que, em ocorrendo as situações acima destacadas, mister se faz a responsabilização daqueles cujo dever era a fiscalização da execução dos contratos. Nesse sentido, neste ano, o TCU estabeleceu o seguinte entendimento por meio do Acórdão nº 929/2019 – Plenário, cujo relator foi o Ministro Benjamin Zymler:

A responsabilidade pelo débito por pagamento de serviços não executados, mas atestados, deve recair sobre os agentes que têm o dever de fiscalizar o contrato e atestar a execução das despesas, e não sobre a autoridade que ordenou o pagamento.

Portanto, restou clara a importância da liquidação da despesa, bem como os impactos que a atuação falha dos agentes responsáveis pela fiscalização da execução dos contratos pode causar no reconhecimento da despesa e posterior pagamento, ocasionando sérios prejuízos ao erário, bem como a toda sociedade que depende dos bens e serviços contratados pela Administração Pública.

Sendo assim, como forma de evitar que tais danos ocorram, é imprescindível que se realize a fiscalização in loco do cumprimento do objeto contratado, assim como a verificação do cumprimento dos requisitos da habilitação inicialmente exigidos, pois esses devem se manter durante toda a vigência contratual. Tal verificação deve ocorrer obrigatoriamente durante a liquidação da despesa, a cada pagamento realizado, no entanto, nada impede que o responsável pela fiscalização do contrato a exija a qualquer momento.