A necessidade de humanização na prestação de serviços públicos

13 set, 2021 ● 10 minutos

Entenda a importância de um atendimento humanizado

Humanização tem um significado simples: tornar algo humano. Por mais óbvio que o termo possa parecer, nem sempre é fácil saber como tornar um serviço humanizado. E esta dificuldade tem um motivo: a humanização é, antes de qualquer coisa, um processo permanente. Seu fluxo não possui começo, meio e fim. Ao contrário: é necessário ter atenção constante ao que significa humanização de acordo com cada contexto.

Por este motivo que o debate sobre humanizar a Administração Pública é tão complexo. Como humanizar a prestação de serviços a grupos sociais tão diferentes? Como saber quais serviços devem ser prioritários? Como identificar o que é contrário aos princípios da humanização?

Ao pensarmos nestes questionamentos, nos deparamos com o fato de que a humanização envolve o respeito à ética. Para além disso, percebemos que todos os envolvidos em um serviço – usuários, servidores e instâncias governamentais – são responsáveis por um atendimento humano e de qualidade. Isto significa, portanto, que a humanização pressupõe um ciclo de tratamento humanizado.

O Ciclo do Tratamento Humanizado é especialmente importante no contexto da Administração Pública, uma vez que os serviços públicos devem possuir caráter universal. E é justamente esta universalidade que aponta um dos pré-requisitos básicos para a humanização: o respeito tanto à igualdade quanto à diferença. Isto significa que um tratamento humanizado deve prezar pela igualdade social, de modo a possibilitar que todos tenham iguais oportunidades de atendimento, e pelas diferenças humanas, uma vez que grupos sociais diferentes possuem possibilidades distintas de acesso aos serviços públicos.

Veja estes dois exemplos e entenda melhor.

É possível respeitar a igualdade mantendo a atenção às diferenças?

  1. Uma pessoa com deficiência precisa, dependendo do tipo de serviço prestado, de um atendimento que seja adequado às suas características. Um tratamento humanizado leva em conta a igualdade quando pressupõe que esta pessoa tem o direito de ter um atendimento da mesma qualidade que pessoas que não possuem deficiência. Um tratamento humanizado também precisa levar em conta as diferenças que este atendimento precisa ter para de fato sanar a necessidade daquela pessoa. Ou seja, é necessário sempre se perguntar: como eu posso readequar este atendimento, torná-lo diferente, para que esta pessoa acesse este serviço em condições de igualdade?
  2. Uma pessoa que não foi alfabetizada não consegue acessar serviços que requerem a leitura e a escrita. Um tratamento humanizado deve considerar que para esta pessoa atingir a igualdade em seu atendimento, deverá ter acesso ao serviço de outra forma que não através da escrita. Ou seja: o atendimento será diferente para que o indivíduo seja tratado com igualdade.

Exemplos como este explicitam que a questão da igualdade é muito mais complexa do que parece. Igualdade não significa que todos os atendimentos devem ser iguais, mas sim que todas as pessoas devem ter iguais oportunidades de atendimento. Ter atenção à igualdade é, portanto, essencial para a humanização.

O atendimento humanizado, todavia, vai muito além da questão da acessibilidade. Isto significa que os serviços públicos não devem somente ser de fácil acesso, como também apresentar qualidade e respeito. E é esta atenção à qualidade e respeito que torna possível a identificação de um serviço desumanizado, uma vez que percebemos a falta de humanização quando alguma destas características não está presente na prestação de um serviço.

Uma dica importante para verificar se um atendimento é humanizado parte de uma pergunta que podemos fazer a nós mesmos: eu gostaria de estar sendo atendida(o) desta maneira? Eu gostaria de prestar um serviço nestas condições? Só ao nos colocarmos na situação do outro iniciamos um processo de humanização. É por este motivo que um tratamento humanizado envolve a empatia.

A humanização vem sendo cada vez mais discutida na Gestão Pública brasileira e sua falta é alvo frequente de reclamação dos usuários e cidadãos. Diversas parcelas da população se sentem desrespeitadas por não conseguirem acessar serviços públicos ou por acessarem serviços de má qualidade. Para mudar esta realidade, treinamentos sobre atendimento humanizado têm sido cada vez mais frequentes, bem como a implementação de políticas públicas e planos de governo.

Uma das medidas governamentais mais importantes para o atendimento humanizado no Brasil é o Plano Nacional de Humanização (PNH). Focado na área de saúde, o PNH visa que todos os processos do Sistema Único de Saúde sejam humanizados. O Plano, iniciado no ano de 2003, também prevê a melhora de comunicação entre gestores, funcionários e usuários do SUS. Um dos aspectos mais importantes do PNH é a ideia de corresponsabilidade.

Corresponsabilidade significa, justamente, que todas as pessoas envolvidas em uma situação são responsáveis em algum grau pelo que ocorre na ocasião. É possível ver, deste modo, que ser corresponsável significa ter espaço para melhorar processos. É, inclusive, a inovação dos serviços públicos atuais que permitirá o aumento da humanização.

Falar em humanização pode soar muitas vezes como algo abstrato ou muito subjetivo. Por este motivo, é importante saber que é possível trazer a humanização para a prática e para o cotidiano em seu ambiente de trabalho. Para tal, siga algumas normas do PNH, tais como:

  1. Praticar o Acolhimento

Busque entender o que é acolhimento para você e para as demais pessoas (usuários e colegas).

  1. Fomentar a Gestão Participativa

Permita que diferentes pessoas opinem sobre processos variados; amplie os pontos de vista.

  1. Melhorar o Ambiente

Fomente um espaço seguro, em que as pessoas se sintam à vontade.

  1. Defender os Direitos dos Usuários

Se informe sobre os direitos dos cidadãos e dos usuários dos serviços públicos, entenda a sua importância.

  1. Defender os Direitos dos Servidores

Se informe sobre os direitos dos servidores e entenda sua importância.

  1. Estar atento a queixas e reclamações

Não trate reclamações como problemas a serem escondidos. Entenda o que gerou o problema e aja com assertividade para resolvê-lo.

Estas práticas permitem que a humanização seja o processo contínuo que deve ser. E elas não apenas propiciam melhores relações sociais como também a melhoria da prestação de serviços. Segundo pesquisa da Ouvidoria Geral da Prefeitura de Mogi das Cruzes, implementar medidas de humanização foi capaz de diminuir reclamações dos usuários e aumentar a solução de problemas. Vale lembrar que, ano após ano, o IBGE apresenta pesquisas que apontam que 1 em cada 10 usuários se sentem discriminados ou desrespeitados ao acessar serviços públicos.

Estas pesquisas são importantes porque permitem a destruição de alguns mitos que atravancam as medidas humanizadas ao fomentarem a ideia de que a humanização não gera ganhos financeiros e que um tratamento humanizado não teria importância. Os dados mostram exatamente o contrário: locais que implementam medidas de humanização conseguem economizar gastos por uma série de motivos, entre eles pela redução de evasão de funcionários, pela queda do número de reclamações, pelo fato de que se usuários e funcionários entendem o que lhes é comunicado, procedimentos não terão que ser repetidos, e muitos outros. Para além disso, a humanização permite o respeito constitucional ao tratamento igualitário. Concluímos, deste modo, que iniciar um plano geral de medidas de humanização é vital para a Administração Pública brasileira.

Confira agora a entrevista de Cristiane Claro, coordenadora da área Institucional da Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem e veja algumas medidas que a FIDI adotou para tornar o atendimento mais humanizado.

1) O que significa humanização para você?

O conceito de humanização é bem amplo, mas quando penso em humanização na área da saúde, logo associo à transformação de ambientes e relações. Em relação ao ambiente, creio que ele deva ser o mais confortável e acolhedor possível tanto para o profissional da saúde, quanto para o paciente. Quando falo em relações, penso tanto na melhora da relação entre profissionais da saúde, quanto na relação entre pacientes e profissionais. Todos esses fatores impactam em mudanças positivas no ambiente e em relações mais humanas no sistema de saúde.

2) Quais medidas a FIDI tenta implementar para tornar o atendimento ao público mais humanizado?

Atualmente a FIDI possui duas formas de atuação para implementar ações de humanização:

1 - Envelopamento de ambientes com o objetivo de criar condições ambientais favoráveis na área de realização dos exames, transformando-a em um local mais agradável e humanizado ao inserir elementos de cenografia com temas de acordo com o público atendido. Envelopamos salas de ultrassonografia, tomografia, ressonância magnética,  mamografia e raios-X em nossas unidades desde 2017.

2 -  Treinamento de Colaboradores: envolver toda a equipe das unidades onde a FIDI atua por meio da capacitação dos colaboradores que ingressam na FIDI e dos colaboradores que atendem nas unidades humanizadas. 

A ideia é que essas ações de humanização sejam complementares e propiciem o melhor atendimento ao nosso paciente.

3) Como a humanização impacta o usuário final de um serviço da FIDI?

- Um ambiente mais confortável, torna o exame menos assustador ao inserir elementos de cenografia com diversas temáticas de acordo com o público atendido;

- Torna a tomografia computadorizada e ressonância magnética exames menos traumáticos para crianças e adultos que têm claustrofobia;

- Reduz a utilização de sedativos para a realização dos exames e, consequentemente, diminui os riscos de reações adversas às crianças e adolescentes;

- Reduz o tempo para a realização dos exames ao tentar acalmar a criança que, na maioria das vezes, está agitada e com medo;

- Reduz o tempo de exposição à radiação.

Sobre a Autora

Marina Macedo Rego

É doutoranda em Humanidades, mestra em Sociologia, bacharel e licenciada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora da área dos marcadores sociais da diferença desde 2010, atuou em diversos centros de pesquisa e no desenvolvimento de projetos sociais. Como educadora e produtora de treinamentos, possui uma carreira focada no Terceiro Setor e na Administração Pública. Acredita que a o acesso à educação e o respeito aos Direitos Humanos sejam vitais para o combate à desigualdade social.