A nova Lei de Improbidade Administrativa vai pegar?

Ana Cláudia Silva Araújo Santos

22 mar, 2022 ● 4 minutos

*Artigo de opinião

As principais alterações da Lei e as perspectivas para a atuação política e judicial

No último dia 26 de outubro de 2021 foi publicada a Lei Federal nº 14.230/2021 que alterou pontos sensíveis da Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429/1992). 

Há muito tempo são discutidas as previsões da Lei 8.429/1992 com o enfoque de que essas abriram espaços para amplas interpretações e colocaram em risco, de certa forma, a regularidade das apurações e aplicação de sanções contra aqueles que praticaram atos de improbidade administrativa. Sob o pretexto de corrigir essas supostas “falhas”, o legislador federal fez alterações no texto normativo que estão sendo objeto de críticas por aqueles que consideram que a lei dificulta o combate à corrupção e à improbidade administrativa, abrindo brechas para a falta de responsabilização dos infratores.

Não é novidade que muitos dos políticos que compõem o Congresso Nacional respondem ou já responderam por ações de improbidade. Assim, uma das bases críticas dos que estão contra as modificações da lei é justamente que ela surgiu como uma suposta forma de beneficiar aqueles que sofrem os efeitos da improbidade. 

Se as alterações serão ou não prejudiciais ao combate à corrupção, são o processo histórico de investigação, os julgamentos dos casos e a formação jurisprudencial que poderão dizer. Por ora, o que se sabe é que as alterações trouxeram mudanças substanciais ao contexto de improbidade que mudarão o curso do jogo político-judicial brasileiro.  

Das mudanças verificadas e que se considerou mais relevantes, encontra-se a necessária comprovação do dolo para que seja caracterizado o ato de improbidade, ou seja, se não for estabelecida a vontade livre e consciente de se alcançar o resultado ilícito, inexistirá uma ação judicial desse tipo contra o agente (art. 1º, §§§ 1º, 2º e 3º). Nesse contexto, a figura do beneficiário deixou de existir (art. 3º), sendo condenado por atos de improbidade apenas os que dolosamente concorrerem para sua execução. Isso caracteriza, também, o ônus probatório do Ministério Público em tais ações (Art. 17, § 19, inciso II).  

Outro ponto relevante é a delimitação da extensão do art. 11 da Lei de Improbidade, uma vez que a alteração trazida pela nova Lei aponta rol taxativo às condutas que atentem contra os princípios da administração pública, que antes era aberto e justificava o ajuizamento de diversas ações pelo Ministério Público e outros entes competentes para fazê-lo. Isso significa que se determinada conduta que viole os princípios da administração não estiver expressamente prevista na lei, não caberá investigação por ato de improbidade contra o agente que praticá-la.

A propósito, agora apenas o Ministério Público poderá ajuizar ações de improbidade (art. 17), sendo excluída a pessoa jurídica interessada (entidade da Administração prejudicada). A medida pode ser considerada tanto positiva como negativa. Por um lado, sendo o Ministério Público o único competente para o ajuizamento da ação, evitará que conflitos políticos ensejem processos desnecessários e com parco conjunto probatório; por outro, a excessiva quantidade de trabalhos a serem realizados pelo órgão poderá prejudicar a promoção célere e efetiva de ações, principalmente considerando a alteração do prazo prescricional para 8 (oito) anos a contar da ocorrência do fato (art. 23).  

O Ministério Público ainda terá mais um desafio pela frente: realizar o pedido de indisponibilidade de bens do agente de acordo com as regras da nova Lei, que determinam “a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”, o que coloca o novo diploma em acordo com o Código de Processo Civil.  

Por fim, a previsão de trânsito em julgado para a execução das sanções por atos de improbidade administrativa (art. 12, § 9º), além de garantir que o réu não seja prejudicado até a conclusão definitiva do processo – garantido o seu direito à ampla defesa e ao contraditório –, também está de acordo com a jurisprudência vigente. Se a pretensão era o endurecimento das regras de improbidade, o caminho, notoriamente, foi outro. 

Os impactos que as alterações trarão à seara jurídica e também política serão fruto de intenso debate, mas, uma coisa já possível prever: é muito improvável que a nova Lei de Improbidade deixe de pegar, seja pelas flexibilidades que ela trouxe, seja pelas inovações que, em partes, se ajustam à jurisprudência, a Lei tem grandes possibilidades de se sedimentar. 

Cabe-nos aguardar os desdobramentos que as mudanças trarão e como os Tribunais e demais órgãos e interessados se manifestarão diante disso.

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