*Artigo de opinião
As principais alterações da Lei de Licitações e as perspectivas para eventuais melhorias do processo licitatório
A licitação é um instrumento importante para garantir à Administração Pública as melhores contratações de produtos e serviços com o melhor custo-benefício. Para que sejam poupados recursos dos contribuintes e assegurados serviços e produtos de qualidade, é necessária a observância de ritos procedimentais e formais que estabelecem as regras do jogo licitatório, bem como dos princípios constitucionais que regem a atuação da Administração (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
A Lei Federal nº 8.666/93 sofreu diversas críticas em razão dos entraves extremamente formais que não permitiam flexibilizações importantes para atingir a vantajosidade pretendida pelo ente público ou mesmo pelo descompasso à realidade atual. Nesse contexto, uma nova lei não apenas se apresentava favorável para a promoção de mudanças que tornassem o processo licitatório mais célere, dinâmico e atualizado com a realidade do país, mas necessária, porquanto a lei publicada no início dos anos 1990 já não era capaz de responder às perguntas que as mudanças políticas, sociais e econômicas levantavam.
Foi diante desse quadro e após diversas discussões que a Lei Federal nº 14.133/2021 foi promulgada em abril do ano passado, passando a revogar a legislação sobre a matéria em abril de 2023 (vide arts. 191, 193 e 194 da nova Lei). Contudo, as mudanças promovidas foram relevantes e significativas? A nova lei conseguiu incluir adaptações que sejam compatíveis com as mudanças sofridas pela sociedade brasileira?
O presente artigo visa discutir, brevemente, as principais mudanças verificadas na nova lei, sem a pretensão e tampouco a possibilidade de esgotar o tema.
Modalidades Licitatórias
A Lei nº 8.666/1993 previa 5 modalidades licitatórias, eram elas: a concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, tendo a Lei Federal nº 10.520/2002 incluído o pregão e a Lei Federal nº 12.462/2011 instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Com a nova Lei, as modalidades de tomada de preços, convite e o RDC foram excluídas (vide arts. 28 a 32), visto que o pregão já vinha tomando o espaço dessas modalidades. Em contrapartida, a modalidade Diálogo Competitivo foi criada (demonstrando a pretensão do legislador em se adaptar às necessidades do Estado e do Mercado).
Em síntese, o Diálogo Competitivo é o instrumento utilizado para as contratações de grande vulto e cujos objetos possuem complexidade acima da média que não poderia ser melhor discutida e elaborada nas demais modalidades, uma vez que exige conhecimento técnico e estratégico para a busca de soluções práticas que a Administração nem sempre conseguirá suprir, necessitando do auxílio do mercado. A modalidade é composta por 2 fases: i) fase de diálogo, em que a Administração publica um edital a fim de conhecer propostas e alternativas de soluções para um problema específico. A ideia é dialogar e negociar com as participantes da licitação a melhor forma de adequar o objeto licitatório, o que se torna possível em razão da expertise técnica dessas participantes; ii) fase de competição, uma vez definida a solução mais adequada ao problema apresentado, a Administração lança um novo edital, este sim com o fito de gerar a competição de propostas e preços apenas das participantes que estavam já na fase de diálogo.
Com essa alteração, a legislação garante que casos complexos, como as licitações de linhas metroviárias,sejam estudados com todos os cuidados e técnicas necessárias, atrelando o interesse público com o que há de mais contemporâneo no mercado.
Critérios de Julgamento
Critérios de julgamento são parâmetros usados para estabelecer uma comparação, escolha, julgamento ou avaliação. Ou seja, é um modo particular de avaliar pessoas, circunstâncias ou coisas.
O art. 33 da Nova Lei de Licitações incluiu no rol de critério de julgamento o de maior desconto (previsto no inciso II do art. 33 e no art. 34, sua referência é o preço global fixado no edital de licitação, sendo que o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos celebrados), maior retorno econômico (previsto no inciso VI do art. 33 e no art. 39, será utilizado exclusivamente para a celebração de contrato de eficiência, sendo que a remuneração deverá ser fixada em percentual que incidirá de forma proporcional à economia efetivamente obtida na execução do contrato) e de melhor técnica ou conteúdo artístico (previsto no inciso III do art. 33 e no art. 35, considerará exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes, e o edital deverá definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída aos vencedores), mantendo-se os que já estavam dispostos na Lei 8.666/93: menor preço, técnica e preço e maior lance (para os casos de leilão).
A inclusão desses novos critérios de julgamento pode facilitar o procedimento licitatório, uma vez que traz novas respostas para entraves verificados em situações anteriores, abrindo o leque de como as propostas serão analisadas e quais os critérios que lhes darão base. Isso, num primeiro momento, se apresenta como algo positivo.
Licitação de forma eletrônica
O §2º do artigo 17 da Lei nº 14.133/2021 muda a regra do jogo licitatório, isso porque passa a tratar como regra o que antes era exceção, assim "as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica", sendo que a escolha de forma presencial passa a ser uma exceção e sua escolha precisa ser motivada. Este é mais um aspecto que evidencia o interesse do legislador em tornar a lei de licitações mais atualizada e compatível com a realidade, tornando os processos licitatórios mais transparentes e dinâmicos, garantindo que empresas de qualquer lugar do Brasil possam ter as mesmas condições de concorrer no certame (e isso de forma mais prática e menos teórica).
Visita técnica e as influências da jurisprudência do TCU na nova Lei
Em relação à visita técnica – instrumento utilizado pela Administração para possibilitar aos licitantes que conheçam de forma pormenorizada o local em que ocorrerá a execução dos serviços –, a nova lei a deixou mais semelhante com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU). Isso tendo em vista que o art. 63, §§ 2º e 4º estabelece que na fase de habilitação das licitações, quando imprescindível a avaliação prévia do local de execução, o edital de licitação poderá prever, sob pena de inabilitação, a necessidade de o licitante atestar que conhece o local e as condições de realização da obra ou serviço; sendo que se os licitantes optarem por realizar vistoria prévia, a Administração deverá disponibilizar data e horário diferentes para os eventuais interessados.
O TCU já se manifestava sobre o tema destacando que a visita técnica coletiva (com todos os licitantes no mesmo local e horário) no “local de execução dos serviços contraria os princípios da moralidade e da probidade administrativa, pois permite ao gestor público ter prévio conhecimento das licitantes, bem como às próprias empresas terem ciência do universo de concorrentes, criando condições favoráveis à prática de conluio”. (Acórdão 2672/2016 do Plenário).
Procedimentos auxiliares
A Nova Lei de Licitações traz também disposições acerca de procedimentos auxiliares que poderão ser adotados pelos órgãos públicos e cuja finalidade é complementar soluções eficientes para o procedimento licitatório ou de contratação realizado pela Administração. Abaixo elencamos esses procedimentos e suas funções:
Credenciamento – previsto no art. 79, consubstancia-se em um chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados (art. 6º, XLIII). É um procedimento com vasto respaldo da jurisprudência do TCU;
Pré-qualificação – é o procedimento técnico-administrativo previsto no art. 80 para selecionar previamente as licitantes que reúnam condições de habilitação para participar de futura licitação ou de licitação vinculada a programas de obras ou de serviços objetivamente definidos (inciso I), bem como os bens que atendam às exigências técnicas ou de qualidade estabelecidas pela Administração (inciso II);
Manifestação de interesse – já consagrado no âmbito de projetos de infraestrutura, no PMI a Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento;
Registro de preços – a Nova Lei ampliou as definições já apontadas em legislações anteriores (art. 15, II, da Lei nº 8.666/1993, art. 11 da Lei nº 10.520/2002 e regulamentado no Decreto nº 7.892/2013) qualificando o sistema de registro de preços em seu art. 82 e seguintes como o conjunto de procedimentos para realização do registro formal de preços tanto para a aquisição de bens e serviços nas licitações de pregão ou concorrência como nos casos de contratação direta. Podendo ser utilizado, inclusive, para as contratações de obras de engenharia, desde que observadas as condições previstas no § 5º do art. 82.
Registro cadastral – embora já previsto na Lei nº 8.666/93, com a nova Lei o instituto foi inovado com a instituição de um registro cadastral unificado chamado de Portal Nacional de Contratações Públicas (art. 87 e melhor tratado no art. 174), cuja finalidade é manter em local único e de forma centralizada e obrigatória a divulgação de atos relacionados às contratações públicas. Ou seja, os editais de licitação, o cadastro unificado de licitantes, as atas de registro de preços, a divulgação dos contratos firmados e seus aditamentos, e outros documentos igualmente relevantes que serão acoplados em uma plataforma única, trazendo transparência e coerência para as contratações.
Por certo que a implementação desse portal tem sido objeto de discussões doutrinárias em relação à aderência de Estados e Municípios e de como funcionaria a logística do sistema, contudo, o website (<https://pncp.gov.br/>.) já foi lançado pelo Governo Federal e, aparentemente, não conta com irregularidades.
Dispensa e inexigibilidade
Em relação à dispensa e inexigibilidade, mudanças significativas foram feitas, razão pela qual um artigo com maior aprofundamento sobre o tema trará especificidades não apontadas no presente.
O que já se pode adiantar, em síntese, são as novidades previstas em cada uma dessas hipóteses. Nos casos dispostos para inexigibilidades previstas no art. 74, tem-se: i) fornecedores, empresas, representantes exclusivos (inciso I); ii) artistas consagrados e reconhecidos (inciso II); iii) serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual (inciso III); iv) objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento (inciso IV); e v) aquisição/locação de imóvel cujas características de instalação/localização tornem necessária a sua escolha (inciso V).
Já no artigo 75, que dispõe sobre as hipóteses de dispensa de licitação, os pontos mais relevantes são: i) a vedação à recontratação de empresa já contratada com base em calamidade/emergência; ii) o aumento do prazo máximo para contratações com dispensa nos casos de emergência ou de calamidade pública, que deixou de ser de 180 (cento e oitenta) dias e passou a ser de 1 (um) ano (mantendo-se a vedação da prorrogação); iii) as contratações que envolvam valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras, bem como contratações de obras e serviços de engenharia ou serviços de manutenção de veículos automotores, se o valor for inferior a R$ 100 mil, são dispensáveis.
Nulidades contratuais
Uma das alterações mais importantes trazidas pela nova lei refere-se às nulidades dos contratos administrativos. O art. 147 destaca a ideia de que a existência de uma irregularidade não implica, necessariamente, na suspensão do contrato ou na sua nulidade, sendo necessário observar as consequências da paralisação contratual ou da nulidade; os impactos econômicos e sociais à sociedade; os custos da paralisação e a necessidade de promoção de uma nova licitação; o fechamento de postos de trabalho e outros. O que buscou o legislador foi justamente evitar que eventuais irregularidades provocassem danos maiores com sua suspensão/nulidade do que a sua manutenção, promovendo, assim, a necessária observância de prós e contras, custo benefício e o interesse público.
Vigência contratual
A nova lei também trouxe mudanças no tocante à vigência dos contratos, conforme se pode verificar nos arts. 105 a 114. Agora os contratos podem ter prazo de até 5 anos (art. 106) para nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos, podendo ser prorrogados por até 10 anos (art. 107). Nota-se grande diferença com a Lei 8.666/93, cuja determinação era de que os contratos tivessem vigência de até 12 meses (exceto nos casos de serviços de prestação continuada, que poderiam ser prorrogados por até 60 meses, ou nos casos de projetos cujas metas estivessem estabelecidas no Plano Plurianual - PPA).
Além disso, a lei também prevê contratos com prazos iniciais de 10 anos (art. 108) e prazos entre 10 e 35 anos para os instrumentos que gerem receitas para a Administração ou os de eficiência, a depender se houver ou não investimento (art. 110).
A pretensão do legislador com essas mudanças era evitar uma série de prorrogações contratuais e garantir maior atratividade dos certames licitatórios, tendo em vista que a probabilidade de uma empresa se interessar em participar é relativamente maior nos casos em que terá contratos de maior prazo com a Administração, uma vez vencedora da licitação.
Conclusão
Em linhas gerais, essas foram as mudanças consideradas mais importantes e que poderão determinar os novos rumos das licitações no Brasil. Ainda não é possível atestar com total certeza se as mudanças serão todas positivas e trarão melhorias efetivas aos procedimentos licitatórios, mas já é possível observar que o legislador se atentou às mudanças da sociedade, do Estado e do Mercado, buscando tornar a licitação mais atrativa, dinâmica, célere e com ofertas que gerem maior custo-benefício à Administração e atendam o interesse público.
*Os artigos aqui divulgados são enviados pelos redatores voluntários da plataforma. Assim, o Radar IBEGESP não se responsabiliza por nenhuma opinião pessoal aqui emitida, sendo o conteúdo de inteira responsabilidade dos autores da publicação.
Ana Cláudia Silva Araújo Santos é advogada. Especialista em Direito Econômico pela FGV Direito SP e Monitora da Pós-Graduação em Direito Administrativo na mesma Instituição. Mestranda em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Autor:
Ana Cláudia Silva Araújo SantosTags:
Matérias, Nova Lei de Licitações