ACOMPANHAMENTO ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA

13 set, 2021 ● 6 minutos

Monitoramento socioemocional melhora performance dos alunos em sala de aula

O professor Raul Villasboas preenche diariamente planilhas sobre cada um dos 350 alunos da escola estadual Princesa Isabel, em São Paulo. O trabalho olha as crianças por completo, dentro e fora da sala de aula

Em 2015 começou uma nova gestão da Escola Estadual Princesa Isabel, Zona Sul da capital paulista. A diretora, Luciana Vieira de Souza, o vice-diretor, Raul Villasboas e o coordenador geral, Rogério De Capitani, se depararam com uma unidade cujos resultados no Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) estavam aquém do ideal. Logo na primeira semana, por sugestão de Rogério De Capitani, eles implantaram um sistema de avaliação individual sobre cada um dos 350 matriculados na escola, que oferece turmas do 6° ao 9° ano. O que seria apenas um trabalho de reforço escolar com os alunos se expandiu para outros aspectos da vida do estudante. O trabalho consiste em apontamentos sobre as dificuldades enfrentadas por cada criança, não apenas em relação às matérias curriculares, mas também sobre o comportamento com colegas e professores, além de analisar a situação familiar.

O sistema foi criado pelo professor Rogério Capitani há dez anos. A equipe orientou os 17 professores e os 3 coordenadores sobre o método. As planilhas passaram a ser alimentadas diariamente. A observação é cuidadosa. São descritas as dificuldades em cada matéria, número de faltas, mudanças de comportamento, choros frequentes, agressividade ou qualquer outro sinal físico ou emocional. Até desenhos em cadernos e as redes sociais dos alunos são monitoradas. A partir desse trabalho, é possível agir e compreender melhor a situação de cada criança dentro e fora da sala de aula. “A dificuldade de aprendizado, muitas vezes, é resultado do que se vive em casa”, afirma Raul Villasboas. Assim, além do acompanhamento pedagógico, a família é chamada para participar do desenvolvimento do estudante. “Criança que não apanha, que come, que tem carinho e é ouvida, aprende”, destaca. Não raro, os professores providenciam atendimento odontológico para os estudantes e, quando necessário, comunicam o Conselho Tutelar sobre algum problema enfrentado pela criança. O educador Raul Villasboas revela que o trabalho vai além do horário escolar. “Muitas vezes tento ligar durante o dia e, se não consigo, ligo à noite da minha casa para os responsáveis do aluno para entender o motivo das faltas ou 

entender algum comportamento diferente”, revela o vice-diretor. 

Tão importante quanto este acompanhamento, é o reforço escolar. São oferecidas aulas semanais com professores da própria escola e profissionais de fora, que são fornecidos pela ONG Brasil 2050 e apoiadores, como o escritório de advogados Tozzini Freire, que financia a vinda destes profissionais. A partir das planilhas, são oferecidas aulas focadas nos assuntos de maior dificuldade, “Identificamos todos os alunos que apresentam notas baixas em uma determinada matéria, reunimos este grupo e oferecemos as aulas de reforço”, explica Villasboas. São realizados encontros de duas a três vezes por semana com os professores fora do horário de aula. Aqueles que apresentam notas altas, entre 9 e 10, ganham um diploma de reconhecimento.

Os resultados de todo esse trabalho são visíveis. Segundo dados da Secretaria de Educação, de 2015 a 2017, as médias da escola em Língua Portuguesa no Saresp aumentaram 10 pontos, passando de 233 para 243 pontos; e as de Matemática passaram de 250 para 271 pontos no mesmo período. De forma geral, na escala de proficiência entre os mesmos anos, a porcentagem de alunos com resultado abaixo do adequado caiu de 21,1% para 12,1%. O percentual relativo aos que apresentaram resultados adequados evoluiu de 8,8% para 18,2%, e os que obtiveram resultados avançados, que é a melhor classificação, passou de zero para 3%. A meta dos professores é seguir em evolução.

Não somente os números estão melhores. As mudanças comportamentais também são notórias. Só neste ano, foram evitados três suicídios. Brigas, bullying e casos de automutilação reduziram. Outro ponto é a inclusão. Há cerca de 20 alunos com deficiências físicas ou intelectuais. Um refugiado sírio também já frequentou a unidade. Raul Villasboas conta, orgulhoso, que os alunos são receptivos. Apesar de não dispor de psicopedagogos nem terapeutas, a escola elabora atividades e trabalha valores como respeito e combate ao bullying. “Lemos, pesquisamos e procuramos aprender o que fazer, dá certo! Os autistas têm notas máximas, brincam e interagem”, revela. Entretanto, trazer estes profissionais é um dos objetivos do grupo. Como parte dos trabalhos, a instituição ainda oferece aulas de música, projetos de leitura, Yoga e meditação por meio de parcerias com voluntários e apoio de empresários. As atividades auxiliam na concentração, na diminuição da violência e no desenvolvimento psicomotor. 

"A escola elabora atividades e trabalha valores como respeito e combate ao bullying. Lemos, pesquisamos e procuramos aprender o que fazer. Dá certo!” Raul Villasboas

O próximo passo é que este trabalho deixe de ser uma exclusividade da escola Princesa Isabel e vire realidade na rede pública brasileira, “o nosso sonho é que isso vire uma política pública, que se torne um sistema e que chegue às escolas mais longínquas”, afirma Villasboas. Ele destaca que já tem a formatação para 2019 do projeto, com melhorias e novas adaptações. Hoje ele preenche o diário de cada aluno manualmente, mas o desejo é que haja um sistema informatizado. “Queremos que haja uma plataforma digital à disposição e que a família possa baixar um aplicativo e acompanhar o desempenho dos jovens, desde as notas até o comportamento na escola”, relata, esperançoso

SOBRE O SARESP

O Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo avalia anualmente cerca de 1,2 milhão de alunos da rede pública estadual, segundo dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. O exame avalia as habilidades em Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes matriculados nos 3º, 5º, 7º (por amostragem) e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio. As provas ocorrem em todas as escolas estaduais paulistas. O resultado permite criar um planejamento estratégico de ensino, determinando as metas de cada escola estabelecidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), além do cálculo bônus por mérito dos servidores.