Assédio Moral e Sexual na Administração Pública

Alessandra Curriel

13 set, 2021 ● 12 minutos

Como identificar se o chefe está apenas cobrando produtividade ou se tem a real intenção de humilhar o subordinado? Como identificar que aquela paquera indesejada no trabalho está passando dos limites? A Radar IBEGESP abordará nesta edição esse tema delicado. Para responder estas e outras questões, convidou a especialista em Direito do Estado Alessandra Curriel, estudiosa do tema.  

Muitas vezes, tudo começa de maneira bastante sútil, até chegar às vias de fato. Na administração pública, assim como em qualquer outro lugar, podem acontecer os temidos “assédio moral” e “assédio sexual”. E como caracterizá- -los? Para iniciar, vamos começar conceituando cada caso.

A palavra “assédio” vem do latim “obsidere” que significa: pôr-se diante, sitiar ou atacar. Na prática, é a insistência inconveniente, persistente e duradoura, perseguindo, abordando ou cercando uma pessoa.

O que é e como se dá o assédio moral? 

É a exposição repetitiva e prolongada de servidores e empregados públicos a um comportamento abusivo, situações humilhantes, constrangedoras, condutas negativas, relações desumanas e antiéticas no ambiente de trabalho.

O assédio pode ocorrer por meio de fala ou escrita, gestos, e comportamentos abusivos e indesejados como por exemplo: isolamento do grupo, desprezo intencional à vítima, afastamento da pessoa no ambiente de trabalho, rompimento de laços afetivos, desqualificação de pessoa ou grupo, depreciação de pessoa por seus problemas de saúde, abuso de autoridade no caso de relação hierárquica, entre outros.

Modalidades de assédio moral 

Confira a diferença entre três formas de assédio:

Assédio descendente: relação hierárquica vertical. Agente público superior x agente público subordinado.

O superior tenta, por inúmeros motivos, prejudicar o seu subordinado com ações que provoquem o desequilíbrio emocional e afete a sua dignidade.

Assédio ascendente: relação hierárquica “inversa”. Agente público subordinado x agente público superior. Subordinado assedia seus superiores. Geralmente se configura com um grupo contra a chefia e não apenas um único indivíduo.

Subordinado assedia seus superiores. Geralmente se configura com um grupo contra a chefia e não apenas um único indivíduo.

Assédio paritário: relação horizontal entre os pares. Agente público x agente público.

Quando um grupo assedia um dos membros deste. A principal causa para este tipo de assédio é eliminar prováveis concorrentes para determinado cargo, por exemplo.

Discriminação e assédio: qual a diferença?

De fato, há uma linha muito tênue entre o assédio moral e a discriminação. 

A discriminação, conforme a Cartilha da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, é a manifestação de uma forma de preconceito, de uma ideia prévia sobre determinada pessoa ou grupo social, em razão de raça, cor, etnia, procedência, gênero, orientação sexual, deficiência, crença religiosa, convicção política e filosófica. Se caracteriza como uma “segregação” e está voltada para a questão de raça, cor, gênero, religião, origem social, nacionalidade e outros. 

E o assédio moral? Caracteriza-se por condutas que evidenciam violência psicológica contra o empregado. Na prática, o ato de expor o empregado a situações humilhantes (como xingamentos em frente de outros empregados), exigir metas inatingíveis, negar folgas e emendas de feriado quando outros empregados são dispensados, agir com rigor excessivo ou colocar “apelidos” constrangedores no empregado. 

Importante ressaltar que são atitudes que, repetidas com frequência, tornam insustentável a permanência do  empregado no emprego, podendo causar danos psicológicos e até físicos, como doenças devido ao estresse causado pelo assédio.

O que configura assédio sexual?

Existem alguns tipos de assédio sexual que envolvem desde a intimidação até chantagens que podem constranger a vítima a aceitar involuntariamente certos comportamentos inadequados do agressor. Confira algumas modalidades:

Assédio sexual por vantagem ou por chantagem

Neste caso, existe relação de hierarquia e ocorre quando o assediador exige algum tipo de conduta de cunho sexual da vítima (jantar, envio de fotos íntimas, carícias, entre outros) em troca de vantagem ou para evitar prejuízos na relação de trabalho (manutenção no trabalho, promoção, cargo, etc). 

Assédio sexual por intimidação

O assediador insiste em destinar manifestações sexuais inoportunas à vítima mediante: cantadas, telefonemas, e-mail, mensagens de WhatsApp/SMS, gestos, bilhetes, entre outros. Neste caso, o assediador não oferece algo em troca, mas tem a finalidade de prejudicar a atuação de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, de intimidação ou humilhação. Esse tipo de assédio muitas vezes é confundido com o assédio moral. 

Para caracterizar o assédio sexual ou moral não é necessária relação hierárquica. Os institutos reconhecem que a conduta possa se dar entre você e o/a colega de trabalho. Considerando a diferenciação, é importante esclarecer que o assédio sexual (por chantagem ou intimidação) não ocorre apenas no local de trabalho, mas também fora do local, por meio eletrônico ou em situações relacionadas ao trabalho, até numa carona. No assédio sexual por chantagem, o local não é importante, mas sim a ação do assediador. 

De acordo com a publicação do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, a Organização Internacional do Trabalho - OIT, é ampla ao definir o assédio sexual, que são atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características/finalidades a seguir:

• Condição clara para manter o emprego ou para obter promoções;

• Prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima;

• Ameaçar e fazer com que as vítimas cedam por medo de denunciar o abuso;

• Oferta de crescimento de vários tipos ou que desfavoreça as vítimas em meios acadêmicos e trabalhistas entre outros. 

De acordo com cada situação concreta, pode- -se notar finalidade novas, das mais variadas espécies. Em resumo, no assédio sexual há uma conduta sexual, sem o consentimento da vítima.

Saiba identificar a diferença entre assédio sexual e uma simples “paquera” no ambiente de trabalho

Na paquera há uma troca de interesses, já no assédio sexual o ato é unilateral, não há interesse mútuo. Na paquera há escolha, reciprocidade, e no assédio sexual não há escolha, nem concordância entre os envolvidos, logo, a pessoa se sente forçada, obrigada, constrangida. A paquera ocorre naturalmente, já o assédio sexual é insistente, persecutório. Os especialistas em relacionamentos interpessoais, bem como os especialistas jurídicos, afirmam que a grande diferença entre o assédio sexual e a paquera está no consentimento.

Assédio sexual x assédio moral

O assédio sexual se diferencia do assédio moral pela conotação sexual presente nos meios e nos fins pretendidos pelo assediador. A vantagem sexual, na maioria das vezes, é moeda de troca do assediador tanto na concessão de obtenção de vantagem, como para afastar prejuízo no ambiente de trabalho. 

Apesar de assédio ser insistência, pretensão constante, em certos casos concretos a consumação do assédio sexual pode ocorrer uma única vez. Já o assédio moral tem como pressuposto a repetição, a insistência.

A exposição do servidor ao assédio moral e sexual gera consequências de ordem física e psicológica, desestabiliza o indivíduo na relação do ambiente de trabalho e nas suas relações sociais, desenvolvendo sentimento de vergonha e culpa, perda da autoestima, mudanças comportamentais a fim de evitar novas abordagens, que se não tratadas, podem o levar o indivíduo a óbito.

Autor-agressor: qualquer pessoa ou grupo, sem necessidade de haver relação de hierarquia ou subordinação, com exceção no assédio sexual por chantagem. Podem ser clientes, parceiros, prestadores de serviços, ou seja, por terceiros alheios à estrutura da administração. Pode ser praticado por qualquer pessoa ou grupo, podendo a relação de assédio sexual se dar entre homem/mulher, mulher/homem, pessoas do mesmo sexo ou gênero. 

Vítima: qualquer pessoa, independentemente de orientação sexual, identidade de gênero ou vínculo com a administração

Natureza Jurídica 

Pode-se dizer que o assédio moral e sexual tem sua natureza jurídica na própria Constituição Federal que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana como um de seus alicerces, objetivando o bem-estar de todos os cidadãos preservando seus direitos e deveres. 

A dignidade da pessoa humana envolve as condições necessárias para que uma pessoa tenha uma vida digna, se relaciona com os valores morais frente às questões pessoais dos indivíduos.

Há entendimentos, a exemplo de Emilia Munhoz Gaiva, de que o assédio moral enquanto ato discriminatório ofende o núcleo essencial dos direitos fundamentais ao trabalho digno, à saúde, à honra, à imagem e à intimidade da vítima, acarretando, inclusive, responsabilidade civil do autor do assédio moral. 

Aliado a isso, sendo conduta incompatível com o cargo, função ou emprego público, fere os princípios administrativos constitucionais elencados no caput artigo 37, podendo em alguns casos ser considerado crime de improbidade administrativa.

Normatização 

O combate ao assédio moral e sexual não é de longe um fato novo no âmbito das relações entre os integrantes da Administração Pública, prova disso é que o dever do servidor de dispensar o tratamento com “urbanidade” entre os pares já se encontrava na redação original dos Estatutos dos Servidores Públicos Civis Federal (Lei n.º 1.711, de 28 de outubro de 1952 revogada pela Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990); Estadual (Lei n.º 10.261, de 28 de outubro de 1968) e Municipal (Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979), permanecendo na redação vigente. 

Para o assédio moral existem as normas específicas: no âmbito Federal há apenas um projeto de lei federal nº 4.591/2001 que pretende alterar a Lei n.º 8.112/1990, com a inclusão do assédio moral. A lei municipal é mais branda que a estadual, pois se limita tão somente à aplicabilidade de multa, as penas são menos severas, ao passo que na lei estadual, dependendo da gravidade do ato, a pena pode ser inclusive a de demissão.

Foi vítima de assédio? Não se cale. Denuncie!

Todas as esferas governamentais têm canais de comunicação, para busca desse apoio, aqui cito os principais:

 Federal: Ministério Público do Trabalho, Corregedoria-Geral da União;

No Estado de SP: Corregedoria Geral da Administração-CGA, possui um canal específico para denúncia de assédio sexual. Utilize o e-mail: [email protected].

Demais Ouvidorias Estaduais; Defensoria Pública do Estado Centro de Apoio e Desenvolvimento Institucional (CADI), órgão vinculado ao Departamento de Recursos Humanos (DRH).

O que diz o Código Penal

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos.

Aliado a isso, por atentar aos princípios da administração pública esculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal/1988, os assédios moral e sexual podem configurar ato de improbidade administrativa, com base no art. 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.

Cabe ressaltar que, comprovados os assédios, o Estado (União, Estado ou Município) pode ser responsabilizado civilmente pelos danos materiais e morais sofridos pela vítima, nos termos do § 6º do art. 37 da Carta Magna.  

O que fazer se você for vítima de assédio sexual ou moral?

• Anote as situações da forma mais detalhada possível (dia, hora, nome do agressor, conteúdo da conversa, testemunha).

• Tire cópia de documentação que comprove/caracterize a agressão, exija quando assim couber, as instruções por escrito (e-mail, bilhetes).

• Reúna provas: testemunhas, presentes, e-mails, bilhetes, mensagens SMS ou pelo WhatsApp, dentre outros.

• Evite ficar a sós com o assediador.

• Diga não ao assediador.

As vítimas podem e devem se socorrer, através de seus verdadeiros amigos, familiares e colegas de trabalho.

Você, eu, nós enquanto servidores públicos, pessoas humanas, podemos estender a mão e auxiliar o colega de trabalho, desde que esse queira.

Alessandra Curriel é servidora pública com vasta experiência em Gestão de Pessoas e há mais de 10 anos é titular no cargo de Executivo Público. Atualmente, está em exercício na Assistência Técnica da Corregedoria da Fiscalização Tributária-CORFISP da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo.