COMPLIANCE

13 set, 2021 ● 10 minutos

Uma análise de sua aplicabilidade na Administração Pública

Do verbo da língua inglesa comply , cujo significado é “estar em conformidade com as normas internas e externas”, o termo compliance surgiu pela necessidade de mercado de estabelecer controles internos. A década de 1950 foi a “Era do Compliance” e nesse período a Prudential Securities, nos Estados Unidos, contratou advogados com o objetivo de acompanhar a legislação e monitorar as atividades de valores imobiliários. Entretanto, as práticas começaram a se espalhar e extrapolaram as atividades financeiras do mercado americano somente em 1980. No Brasil, o termo ganhou espaço com a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção. A norma fortaleceu as áreas de auditoria e compliance nas instituições e permitiu a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas que tenham praticado atos contra a administração pública.

Para entender melhor este assunto, conversamos com o consultor e professor Cristiano Augusto Venâncio sobre a importância do compliance e sua aplicabilidade às contratações públicas sob a ótica da governança pública.

  •  Resumidamente, como podemos conceituar “Compliance” no Brasil? Podemos dizer que compliance representa o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos, impostos às atividades das organizações. 
  •  Como a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, entra neste cenário de conformidade com as normas?

A conduta do agente público é um grande diferencial para que a norma seja efetiva. Esta lei é uma ferramenta para controlar e prevenir possíveis práticas criminosas de pessoas jurídicas. É um tema de Governança Corporativa e merece ser tratado dentro da estratégia do ente privado, especialmente para aquele que estabelece contratos com a Administração Pública. Sob o prisma da Administração Direta e Indireta, cabe avaliar positivamente as contratações que definam e sigam rigorosamente os Programas de Conformidade, conhecidos como programas de Compliance. 

A Lei 12.846/2013 trouxe para o setor privado a necessidade de observar determinadas formalidades e condutas ao firmar contratos com a Administração Pública, já que esta norma impõe meios capazes de responsabilizar empresas que tenham praticado algo ilegal. Ou seja, o que esta legislação traz de inovador é a habilitação legal para o Poder Público lidar com os desvios de conduta, pois agora temos caminhos administrativos eficazes para buscar a responsabilização, o que colabora com o desenvolvimento de uma cultura ética, além de permitir o devido ressarcimento ao erário público. Outro relevante impacto positivo diz respeito às licitações públicas e à execução dos contratos, na medida em que a lei age diretamente nas fraudes praticadas pela pessoa jurídica e agentes. Vale destacar, neste ponto, o papel do servidor público, pois é ele quem garante o cumprimento da lei. O compliance permite estar em conformidade com as normas internas e externas, e a conduta do agente público é um grande diferencial para fazer a norma ser efetiva. 

"É necessário ressignificar o papel do sistema político nacional e reconstruir a relação de confiança entre ente público e privado, de forma que se tenha uma atuação conjunta para a sociedade. Sem dúvida, este é um grande desafio.” Cristiano Augusto Venâncio 

  •  Neste contexto, é certo afirmar que Compliance não é um tema de entes privados apenas? 

Não podemos falar de Compliance sem falar de Governança Corporativa, que envolve acionistas, conselho de administração, órgãos de fiscalização e controle, diretoria e as demais partes interessadas no monitoramento e incentivo das corporações. No momento em que uma instituição pública fecha contrato com uma empresa, as práticas adotadas pelo ente privado passam a ser de interesse do público também. Portanto, os programas de compliance que a empresa vier a adotar deixam de ser considerados apenas controles internos e ganham mais importância. 

  • Diante desta relação do Compliance com as práticas de Governança Corporativa, como podemos trazer tal instituto para o Setor Público?

O Tribunal de Contas da União publicou em seu Referencial de Governança que, para o melhor atendimento aos interesses da sociedade, é preciso garantir comportamento ético, íntegro, responsável, comprometido e transparente da liderança; controlar a corrupção; implementar efetivamente um código de conduta e valores éticos; observar e garantir a aderência, a transparência e a efetividade das comunicações e balancear interesses, além de envolver efetivamente os stakeholders.

A partir disso, é possível entender o papel do servidor público. Considerando que os contratos firmados devem seguir a lei, acaba surgindo um ambiente desfavorável para a corrupção

Em termos de Brasil, este é um desafio que passa por mudanças culturais. É necessário ressignificar o papel do sistema político nacional e reconstruir a relação de confiança entre ente público e privado, de forma que se tenha uma atuação conjunta para a sociedade. Sem dúvida, este é um grande desafio. A meu ver, atender demandas sociais passa também pela redução do distanciamento entre Estado e Sociedade. Uma das ações de compliance é a transparência, reforçada pela Lei da Transparência, sendo que este item é um dos pilares das boas práticas de Governança Corporativa. 

  •  E como instituir o compliance na Administração Pública? A que o gestor deve estar atento?

O que irá legitimar um programa de compliance é de fato estar alinhado à legislação. 

Como já foi dito aqui, compliance é estar em conformidade com as boas práticas, a lei. O desafio está na implantação de um Programa de Integridade, seja por controle interno, seja por ouvidoria. Ainda que haja o entendimento de que estas boas práticas se aplicam apenas para a iniciativa privada, é importante destacar que o setor público está submetido à Carta Magna. O art. 37 diz respeito à boa-fé e legalidade.

Uma fonte de consulta para os gestores é o Guia Prático de Implementação de Programa de Integridade, publicado pela Controladoria Geral da União neste ano (disponível no site da CGU). O manual fornece orientações a servidores da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, para implementar estas ações.

  • De uma maneira objetiva, para facilitar ao nosso leitor estar alinhado com a legislação, é possível estabelecer uma correlação entre as principais leis que normatizam as relações de riscos, governança e compliance na Administração Pública?

Além da Lei Anticorrupção (12.846/2013), podemos destacar a Lei 13.303/2016, que normatiza o estatuto jurídico de uma empresa pública, de uma sociedade de economia mista e de suas subsidiárias. A norma determina que estas instituições podem ter que seguir as regras de Governança, o que implica criar um Código de Conduta e Integridade, além de terem suas práticas fiscalizadas. Estabelece, ainda, os papéis do Controlador, do Administrador, do Conselho de Administração, de seus conselheiros independentes, da Diretoria destas organizações e de seus respectivos comitês e órgãos, como o conselho fiscal, dentre outros temas de gestão de risco, controles e contratação de terceiros.

A lei Anticorrupção normatiza a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas para atos contrários à administração pública nacional ou estrangeira. Nesta lei, o legislador classificou em seu artigo quinto os principais atos corruptos, entre eles, vantagens indevidas, prática de atos ilícitos, fraudes à licitação e obtenção de vantagens próprias. Estabelece, também, punições pecuniárias decorrentes de uma responsabilização administrativa, acordo de leniência (com o objetivo de colaboração com as investigações), bem como da responsabilização judicial.

Em decorrência desta norma, surgiu o Decreto 8.420/2015. A medida foi criada para regulamentar os casos de responsabilização objetiva administrativa, impondo, por exemplo, multas proporcionais aos valores de contratos mantidos ou pretendidos com os órgãos lesados. Outro aspecto interessante que o decreto traz é o Programa de Integridade, previsto no ar

tigo 41. Este dispositivo estabelece mecanismos e procedimentos internos de integridade, como auditorias e canais de denúncia. Além disso, cada programa deverá ser estruturado de acordo com a realidade da empresa. Para finalizar, destaco a criação do “Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas e do Cadastro Nacional de Empresas Punidas”. A lista disponibiliza informações sobre sanções administrativas impostas às pessoas físicas ou jurídicas consideradas inidôneas para contratar com a administração pública, ou com alguma restrição, o que é uma fonte de consulta para os gestores públicos.

A Lei 12.813/2013, conhecida como Lei de Conflito de Interesses, também merece destaque. O texto regula situações em que cargos ou empregos das atribuições do Poder Executivo Federal favoreçam interesses privados em detrimento dos coletivos, conceituando quais são as situações de conflito de interesses e informação privilegiada. Esta lei trata tanto de situações ocorridas no exercício da função, quanto após. A fiscalização compete à Comissão de Ética Pública e à Controladoria-Geral da União. 

Quero citar, também, o Decreto 7.203/2010, que proíbe o nepotismo. De acordo com seu texto, é considerado nepotismo a nomeação, contratação ou designação de familiar de Ministro de Estado, da máxima autoridade administrativa correspondente ou familiar, que ocupe cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoria. 

  • Qual o impacto do compliance nas contratações da Administração Pública? 

Um relevante e positivo impacto é a execução dos contratos.  A norma age diretamente contra fraudes e atos corruptos de agentes privados e públicos. Em contratos de empresas com órgãos públicos, as condições estão impostas neste documento. Isso significa que esta é a base para avaliar as práticas internas e externas das empresas. É importante destacar, no entanto, que ao fazer esta análise é necessário ter cuidado com cada situação, pois há diferenças entre os regimes das empresas de capital aberto e fechado, entre companhias de personalidade jurídica e privada e entre microempresas e grandes multinacionais. Portanto, embora seja necessário estabelecer padrões de controle, é preciso adequá-los a cada realidade, mas sem abandonar os princípios do Direito Administrativo. Os programas devem conduzir suas práticas sempre de forma alinhada a isso, o que representa garantir princípios como moralidade e eficiência administrativas e razoabilidade ou proporcionalidade nas contratações públicas. 

O contrato é um valioso instrumento jurídico, embasado pela legislação de licitações públicas (8.666/1993), fortalecido pela Lei Anticorrupção e pelos demais aspectos impostos no momento da contratação. O respeito ao bem público, à sociedade, às regras de compliance e a todas as relações, são a síntese dos programas de compliance. É o que garante o propósito maior destas contratações, que pode ser, por exemplo, o desenvolvimento econômico-social de uma comunidade e não dos interesses particulares destes agentes.