Considerações sobre a relação entre o Estado e as Organizações da Sociedade Civil

Rodrigo Sanches

02 ago, 2022 ● 6 minutos

Entenda a atuação das organizações sociais na prestação de serviços públicos para os governos

Para iniciar uma discussão saudável sobre a estrutura de atuação das OS (Organizações Sociais) e das OSCIP (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), e também sobre a relação das mesmas com o aparelho burocrático do Estado, se faz necessária uma análise prévia do contexto histórico no qual surgiram essas organizações e também a proposta de atuação conjunta delas com os governos para a prestação de serviços públicos, por meio de contratos de gestão ou termos de parceria

Essa discussão veio à tona no momento da redemocratização, ou seja, no final da década de 1970 e início da década de 1980, quando essas organizações começaram a surgir em massa, e o Estado deu sinais de que estava mudando seu papel na sociedade; de um Estado repressor, militarizado, regulador e simplesmente clientelista, para um Estado provedor de serviços públicos e de direitos sociais básicos, como saúde, educação etc. Foi a partir daí que duas frentes de gestão surgiram: o gerencialismo e a gestão societal.

A teoria de gestão gerencialista, segundo Paes de Paula (2005), surgiu por meio de influências externas que contribuíram para a ascensão do modelo, ou seja, pela expansão da cultura neoliberal e neoconservadora, concomitantemente no início da década de 1990, na Inglaterra de Margaret Thatcher e nos EUA de Ronald Reagan. Essa ideologia neoliberal defendia como premissas para o modelo de gestão ideal:

  • o combate à crise fiscal do Estado (que vigorava na maioria dos países da América Latina);
  • uma cultura empreendedora;
  • o culto à excelência e à eficiência;
  • a diminuição do tamanho do aparelho do Estado e o corte de gastos.

Resumidamente: o Estado seria reformado basicamente para representar interesses econômicos e financeiros.

Já a teoria da administração pública societal (PAES DE PAULA, 2005) tem origem nos movimentos populares do final dos anos 1960 e que se firmaram nas décadas de 70 e 80, compostos por movimentos sociais de base, partidos de esquerda, eclesiásticos, estudantis, sindicais, dentre outros. Eles tinham como principal objetivo a luta contra a ditadura militar e contra a violenta repressão instalada na época. Esses movimentos defendiam:

  • o interesse público;
  • os direitos humanos e os direitos políticos;
  • a cidadania;
  • os bens de uso coletivo, como saúde e educação.

Com o final da ditadura, alguns desses movimentos se tornaram “organizações da sociedade civil” (SCHOMMER, 2013, p. 23). Além deles os movimentos sociais mantiveram seu viés combativo e os partidos de esquerda que compunham o movimento começaram a galgar espaços no poder defendendo uma bandeira de gestão que pretendia descentralizar o poder e otimizar a participação popular e a democracia, ou seja, aproximar o poder decisório da sociedade civil.

A partir desse momento histórico, um novo paradigma nasce, apresentando um conflito ideológico pela hegemonia do conceito de gestão de políticas públicas. Este conflito se dá entre organizações que nascem da militância contra a repressão do capital e o modelo gerencialista, por meio de sua iniciativa de “enxugar o aparelho do Estado” (2005, p. 15) e prestar o serviço público de forma indireta, demandando a atuação das OS e das OSCIP para implementar seu projeto político. 

Portanto, a década de 1980 foi decisiva para entender essa relação nos anos posteriores. Daí em diante, a atuação das organizações se dará principalmente em governos que adotam o modelo gerencialista como projeto de gestão, tendo como principal estratégia de atuação a “coprodução do bem público” (SCHOMMER, 2013).

Segundo Schommer (2013), a coprodução do bem público significa que tanto o aparelho do Estado quanto a sociedade civil, organizada e não organizada, são responsáveis mutuamente pela construção e preservação do patrimônio público e dos serviços públicos, ou seja, tanto o Estado quanto a sociedade mobilizam recursos consideráveis para a proteção do interesse público como um todo. Isso só se faz plenamente em um governo onde a participação ampla e efetiva ocorra de fato; onde a relação e o diálogo entre os dois entes – provedor do serviço e usuário – se dê contínua e regularmente.

De acordo com a autora, atualmente não ocorre uma coprodução do bem público no Brasil, pois, além da resistência do Estado em aceitar que as OS prestem serviços públicos, os governos concentram recursos financeiros, institucionais e técnicos em seus domínios, fazendo com que as OS que prestam serviços se encontrem com poucos recursos para a formulação e implementação de políticas públicas.

É possível concluir portanto, através de uma leitura crítica da bibliografia utilizada, que as questões de accountability e “capacitação para lidar com as regras institucionais” (2013, p. 30) são os principais obstáculos na atuação das organizações na prestação do serviço e na sua relação com o Estado. Isso se dá devido ao fato de que comprovadamente esses são os principais problemas que as OS enfrentam para realizar sua parceria junto ao poder público.

A prestação de contas sobre o uso do dinheiro repassado para a gestão dos serviços é uma demanda da sociedade e uma necessidade integral das OS, para que elas possam profissionalizar seu trabalho, sua gestão e aumentar sua credibilidade perante o Estado e a sociedade.

Dessa forma, com uma gestão profissionalizada e transparente, o Estado aumentará sua confiança no repasse dos recursos e na contratação das organizações para a prestação dos serviços. Esse fato está entrelaçado com a questão da adaptação às regras institucionais, pois apenas pelo fato das OSs prestarem contas à sociedade e ao Estado sobre a utilização do dinheiro público repassado já é uma adaptação, ou uma capacitação.

Bibliografia:

• PAES DE PAULA, A. P. Administração Pública Brasileira Entre o Gerencialismo e a Gestão Social. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 1, Jan- Mar, 2005, p. 36-49. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rae/a/HqKgvKNRxhMmCyxK7jbJz8g/?format=pdf&lang=pt 

• SCHOMMER, P. C. Relações Estado-Sociedade no Brasil: Arquitetura Institucional, Accountability e Coprodução do Bem Público. In: P. E. Mendonça; M. A. Alves; F. A. Nogueira. (Org.). Arquitetura institucional de apoio às organizações da sociedade civil no Brasil. 1ª ed. São Paulo: FGV, 2013, p. 180-205. Disponível em: https://ceapg.fgv.br/sites/ceapg.fgv.br/files/arquivos/PesquisaApoioOS/livroarticulacaod3.pdf