Saiba mais conferindo a entrevista da professora Gislany Gomes Ferreira.
Como você já deve ter notado, neste ano que se encerra o cenário das licitações esteve em constante movimento e uma das principais modificações foi a publicação do Decreto nº 10.024/2019.
Para você aprender mais sobre o assunto, nós preparamos perguntas especiais que foram respondidas pela entrevistada Gislany Gomes Ferreira, atuante há mais de dez anos na área de Licitações e Contratos Administrativos, com uma visão extremamente atual sobre o tema. Não deixe de conferir!
Pergunta: Fazendo uma análise geral do Decreto nº 10.024/2019, como você descreveria a importância da sua publicação para o momento atual no cenário das licitações públicas?
Resposta:
O Decreto em comento é de suma importância, tendo em vista que as revogadas legislações datavam de 2005 e de lá para cá houve grande evolução na sociedade relacionada à tecnologia, desenvolvimento sustentável e à competitividade do mercado. Os dispositivos do novo Decreto versam sobre a sustentabilidade das compras e dos contratos públicos quando anuncia que o princípio do desenvolvimento sustentável será observado nas etapas do processo de contratação com vistas à obtenção da melhor proposta e não mais a busca pelo menor preço sem considerar as consequências para a sociedade. Além disso, ele evidencia a necessidade do planejamento no procedimento de compras, quando prevê o Estudo Técnico Preliminar (ETP), documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que indica a sua viabilidade ou não, e da transparência, ao tratar do sistema de dispensa eletrônica para as aquisições com base nas hipóteses do art. 24, II, da Lei 8.666/93.
Pergunta: Atualmente se tem falado muito sobre a adoção de uma linguagem simples e clara na redação dos atos normativos, tendo em vista as normas estabelecidas pelo Decreto nº 9.191/2017. Você acredita que o novo regulamento do pregão eletrônico foi redigido em consonância com o referido decreto? Se sim, cite pontos em que notou diferenças na redação.
Resposta:
Sim, a meu ver, de maneira geral, o novo Decreto seguiu os ditames do Decreto 9.191/2017. A começar pela divisão, em cada Capítulo, dos assuntos que são tratados nos respectivos artigos e parágrafos, a exemplo no Capítulo Primeiro: Objeto e âmbito de aplicação, Princípios, Definições e Vedações (artigos 1º ao 4º). Isso facilita, em demasia, a leitura e entendimento do Decreto, o que não se verifica nos Decretos anteriores. Como preceitua o Decreto 9.191/2017, o novo decreto não menciona a expressão “e dá outras providências”, deixando claro de que se trata o normativo já na parte preliminar. As três partes básicas ditadas pelo art. 5º do Decreto 9.191/2017, quais sejam: parte preliminar, parte normativa e parte final são rigorosamente observadas pelo novo Decreto, bem como apresenta uma linguagem clara e objetiva.
Pergunta: Considerando todas as alterações trazidas pelo Decreto nº 10.024/2019, qual(is) você considera mais importante(s) para o cenário atual das licitações? Descreva pra gente o(s) motivo(s) da(s) sua(s) escolha(s), por gentileza.
Resposta:
Todas as alterações foram importantes, mas algumas merecem um destaque maior, como o “novo olhar” direcionado à figura do Pregoeiro, elemento tão importante no processo, pois há previsão de que ele pode requisitar subsídios formais aos responsáveis pela elaboração dos editais e anexos (art. 17, II) nos casos de resposta à impugnação e pedido de esclarecimento; solicitar manifestação técnica da assessoria jurídica ou de outros setores do órgão ou da entidade, a fim de subsidiar sua decisão (art. 17, parágrafo único); tem um prazo maior para as respostas, qual seja, dois dias úteis, além da necessidade de realização de planos de capacitações para o pregoeiro, a equipe de apoio e demais envolvidos na elaboração do processo licitatório.
Outra inovação importante foi a obrigatoriedade da inclusão, pelo licitante, da habilitação juntamente com a proposta, o que agiliza a análise pelo pregoeiro e impede que o participante descumpra sua proposta com o não envio posterior da documentação ou envio incompleto, como outrora ocorria, ou dê causa ao denominado popularmente de “novo coelho”, quando o licitante induzia sua inabilitação para beneficiar o segundo colocado.
Além disso, a extinção do chamado “tempo randômico” foi interessante, pois, muitas vezes, a Administração deixava de obter uma melhor proposta porque o participante não teve tempo hábil de incluir o seu lance antes de o sistema encerrar a fase.
Para os licitantes, importantes alterações foram a previsão de envio da proposta corrigida ou documento complementar com no mínimo duas horas de prazo e o retorno da sessão, no caso de indisponibilidade para o pregoeiro por mais de dez minutos, apenas depois de decorridas 24h da comunicação, pois antes o envio dos documentos era imediato e o retorno da sessão ocorria a qualquer tempo, obrigando os participantes a ficarem aguardando, sendo que em alguns casos, nem voltava no mesmo dia. Pode-se somar também às alterações importantes os novos modos de disputa (aberto e aberto e fechado) e de julgamento (menor preço ou maior desconto) previstos.
Pergunta: A previsão de contratação, por meio de pregão eletrônico, dos chamados “serviços comuns de engenharia” trazida pelo novo decreto consiste em uma inovação para o cenário das licitações?
Resposta:
Entendo que não, pois há muito tempo essa é uma prática comum nos órgãos públicos. Eu mesma, quando atuava, utilizava o pregão como modalidade para a contratação de serviços comuns de engenharia.
Além disso, desde 2010 há a Súmula 257 do Tribunal de Contas da União (TCU) que informa que “o uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei 10.520/2002”. Conforme dispõe a súmula, não há previsão de que seja apenas no pregão presencial. Não obstante, foi importante a previsão no novo Decreto para dirimir, de uma vez por todas, as dúvidas que ainda pairavam a respeito da temática.
Pergunta: Se comparado aos normativos anteriores, qual a diferença do atual decreto no que se refere às empresas estatais?
Resposta:
No revogado Decreto 5.450/05, art. 1º, parágrafo único, essas empresas subordinavam-se aos ditames desse regulamento. Agora, com a nova redação do Decreto 10.024/19, art. 1º, § 2º, as empresas estatais têm a faculdade de adotar, no que couber, as disposições nele dispostas.
Então, o que era obrigatoriedade no decreto anterior, passou a ser faculdade com a nova redação.
Pergunta: A temática do orçamento sigiloso já era aplicada em outras legislações sobre contratações públicas? Quais os impactos dessa previsão no âmbito dos pregões eletrônicos?
Resposta:
Essa temática era tratada na modalidade do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), da lei 12.462/2011. No caso do pregão, existem dois entendimentos, um que prega que não pode haver sigilo do preço e outro que sim, pois a Lei 10.520/00 é lei especial e não prevê obrigatoriedade da divulgação do orçamento no edital.
No entanto, para esse entendimento, caso não haja a previsão no edital, se um eventual participante ou qualquer outra pessoa solicitar o valor que será pago pelo material ou serviço de um determinado edital, o órgão é obrigado a dizer, em virtude do princípio da transparência. Agora, ao menos no pregão eletrônico será possível o sigilo do orçamento, que, conforme consta na redação do artigo 15, § 2º “...será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento do envio de lances, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias à elaboração das propostas”. Ressalte-se, na oportunidade, que referido sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo.
Dessa forma, se o edital não previr o orçamento, os licitantes somente terão acesso a ele após o encerramento da fase de lances.
Pergunta: Embora, em regra, o novo decreto seja aplicável no âmbito da administração pública federal, o seu artigo 1º, §3º determina que a utilização do pregão eletrônico será obrigatória aos Estados, Distrito Federal e Municípios em caso de uso de recursos da União para as contratações. Quais são os prazos para esses entes adotarem o pregão na forma eletrônica? Existe alguma lógica na fixação desses prazos?
Resposta:
Após a publicação do novo Decreto, houve, em 21/10/19, a publicação da IN 206/19 que trouxe quatro diferentes prazos para que os órgãos e as entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, passem a utilizar obrigatoriamente a forma eletrônica da modalidade de pregão, quando receberem transferências voluntárias da União, tais como convênios ou contratos de repasse para aquisição de bens e contratação de serviços comuns.
Para os Estados e DF, já são obrigados desde 28/10/2019. Para os Municípios, depende da quantidade de habitantes: se mais de 50 mil, a partir de 03/02/2020, se de 15 mil a 50 mil, a partir de 06/04/2020 e se menos de 15 mil habitantes, prazo a partir de 01/06/2020. A IN 206/19 não menciona, mas, entendo que a lógica em relação à quantidade de habitantes, no tocante aos Municípios, é para que tenham tempo hábil para irem se estruturando para implantação do pregão eletrônico.
É importante destacar que a normativa se refere, também, ao uso obrigatório da dispensa eletrônica pelos mencionados entes, quando utilizar a modalidade dispensa na contratação, e que a substituição pelo pregão presencial, no caso das transferências, só será possível mediante prévia justificativa da autoridade competente, desde que fique comprovada a inviabilidade técnica ou a desvantagem para a administração na realização da forma eletrônica.
Entendo que a primeira justificativa (inviabilidade técnica) é até fácil de demonstrar, porém, a vantagem em se utilizar o pregão presencial em detrimento do eletrônico não será uma tarefa simples, tendo em vista os vários benefícios que essa modalidade apresenta, a exemplo da ampliação da disputa (pois o licitante pode participar, de sua empresa ou até mesmo de sua residência, da licitação de qualquer órgão público do Brasil), a obtenção de melhor preço (tendo em vista os novos modos de disputa), dentre outros. A dispensa eletrônica ainda será objeto de regulamentação, como informa o Art. 51, § 1º do Decreto 10.024/19.
Pergunta: Fale um pouco sobre os diferentes modos de disputa e envio de lances trazidos pelo novo decreto. Quais as mudanças com relação ao que era praticado anteriormente e qual a importância dessas alterações?
Resposta:
Os artigos 32 e 33 do decreto preveem dois modos de disputa. O modo de disputa aberto, no qual a etapa de envio de lances na sessão pública durará dez minutos e, após isso, será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houver lance ofertado nos últimos dois minutos do período de duração da sessão pública e seguirão novas prorrogações sempre que houver lance no período da prorrogação (dentro dos dois minutos). A sessão encerrar-se-á automaticamente se não houver nenhum lance na prorrogação e, nesse caso, o pregoeiro poderá, assessorado pela equipe de apoio, admitir o reinício da etapa de envio de lances, em prol da consecução do melhor preço, mediante justificativa.
Já no modo de disputa aberto e fechado, a etapa de envio de lances da sessão pública terá duração de quinze minutos. Encerrado esse prazo haverá um prazo aleatório de até dez minutos para a recepção de lances. Esse prazo é uma chance para que as empresas possam, caso queiram, melhorar os seus lances com vistas a irem para a fase da proposta sigilosa, pois, terminado os dez minutos aleatórios, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores à de valor mais baixo possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo.
Caso não se obtenha pelo menos três propostas, os autores dos melhores lances subsequentes, na ordem de classificação, até o máximo de três, poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos. Ressalte-se que não haverá a limitação de apenas três propostas para o lance final e fechado, mas serão chamados os próximos três licitantes, na ordem de classificação. Por exemplo: terminado o prazo aleatório tem-se a seguinte situação: 1º 100,00 - 2º 109,00 - 3º 111,00 - 4º 112,00 - 5º 113,00 - 4º 115,00. Irão para o lance final e fechado: o 1º (valor mais baixo), o 2º (que está no intervalo de até 10%) e mais os 03 subsequentes (o 3º, o 4º e o 5º). Dessa forma, haverá cinco licitantes para ofertarem o lance final e fechado.
Agora, na ausência de lance final e fechado classificado nos termos anteriores, haverá o reinício da etapa fechada para que os demais licitantes, até o máximo de três, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos. Nesse caso, percebe-se que haverá a limitação de no máximo três licitantes.
Se, analisada a habilitação, não houver licitante classificado na etapa de lance fechado que atenda às exigências, o pregoeiro poderá, auxiliado pela equipe de apoio, mediante justificativa, admitir o reinício da etapa fechada com os três licitantes subsequentes (no máximo três).
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Radar IBEGESP Dezembro de 2019