*Artigo de opinião
Os principais obstáculos do gestor público para praticar um ato decisório
Ainda que o controle externo já exista no Brasil há mais de 100 anos, a atuação dos Tribunais de Contas ganhou maior relevo com a Constituição Federal de 1988. O período não poderia ser mais oportuno, o país acabara de sair de um regime ditatorial e buscava reconstruir as bases de sua democracia, o que implicava fortalecer órgãos de controle e os poderes legislativo, executivo e judiciário, de modo a garantir um sistema de freios e contrapesos eficiente e um equilíbrio entre eles.
Com os escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos, empresas e políticos, a importância do controle externo se tornou ainda mais evidente, assumindo os Tribunais de Contas o papel principal na fiscalização dos gestores e no controle das finanças públicas.
Em uma breve análise, uma atuação mais combativa soa vantajosa, afinal, combater o desvio de recursos públicos é um dos pedidos mais feitos pela população, no entanto, basta observar de forma mais aprofundada as atribuições e competências constitucionais do Tribunal de Contas para verificar que, em muitos casos, este ultrapassa a linha de sua atuação.
Para os críticos, essas “disfunções” dos Tribunais de Contas são um risco para a atuação do gestor público, pois os agentes do controle externo nem sempre estão aptos a observar a realidade dos gestores, suas principais dificuldades e necessidades dos locais que administram, sobretudo considerando fatores políticos e econômicos que tendem a reger a forma mais adequada de gestão.
A severidade com que o controle externo aplica medidas contra os gestores faz com que boa parte deles, temendo eventual sanção, evite praticar atos decisórios, acarretando no fenômeno chamado de “apagão das canetas”. É comum que os gestores impulsionem a distribuição de processos judiciais para terem respaldo em suas decisões. Basicamente, há certo esvaziamento da atuação do Executivo – sobretudo municipal – que aguarda uma decisão judicial para, então, seguir naquele caminho, deixando de tomar decisões que partem de sua própria interpretação como gestor que conhece a Administração e pode conduzi-la de forma, ao menos em tese, mais satisfatória.
Para além disso, outro problema que os críticos apresentam é a impossibilidade de o gestor conhecer todas as normas jurídicas afeitas à Administração Pública, o que aumenta seu receio em adotar medidas que possam comprometê-lo a partir de análise mais restritiva dos Tribunais de Contas. Isso porque, não se trata apenas de receber uma outra sanção, o que por si só já é bastante grave, mas das implicações que isso traz em curto, médio e longo prazo e que vão desde o eventual impedimento de candidatura em eleições até a restrição de bens pessoais. Todos esses riscos afastam o gestor de suas canetas e o impedem, segundo esses críticos, de atuar pensando no que é importante para os administrados.
Por outro lado, os defensores da atuação mais incisiva das Cortes de Contas entendem que é bem necessário para assegurar o respeito aos cofres públicos, tendo em vista o extenso leque de casos de corrupção que fragilizam ainda mais a democracia brasileira. A ideia é impedir que gestores usem a Administração para se autopromoverem e enriquecerem, fazendo uso de licitações direcionadas, atos fantasiosos, perseguição de críticos e outras formas de se manterem no poder às custas dos administrados.
Independentemente dessas duas correntes, o fato é que o legislativo parece ter se comprometido a elaborar leis que apresentem mecanismos para que tanto o gestor como os Tribunais de Contas lidem com as problemáticas levantadas. Uma dessas leis é a Federal de nº 13.655/2018 que trouxe alterações significativas à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”) especialmente no que compete à segurança jurídica.
Ao determinar que as decisões nas esferas administrativa, controladora e judicial devem ser motivadas e ao observar as consequências práticas que podem gerar, o legislador deixa claro que decisões meramente burocráticas e que causam entraves às questões práticas não serão aceitas, logo, cabem as devidas justificativas e fundamentações nas decisões. Isso evita que o gestor honesto seja prejudicado e faz com que o gestor desonesto repense sua forma de gerir.
Há também a necessidade de se observar quais são as reais dificuldades dos gestores, sobretudo na aplicação de políticas públicas necessárias aos administrados, fazendo-se a ponderação no momento de decidir e garantindo a razoabilidade imprescindível à atuação pública. Essa possibilidade tende a conduzir os gestores a assumirem riscos e ultrapassarem a barreira do medo das consequências que suas decisões podem provocar.
Foi possível verificar essa mudança com a pandemia da COVID-19, em que diversos gestores assumiram riscos para salvaguardar o direito à saúde, mesmo que, considerando a jurisprudência da maioria dos tribunais de contas, pudessem sofrer sanções. Por certo que nem todos os gestores atuaram visando essa proteção, tendo ocorrido compras de diversos itens superfaturados. Mas, a síntese da questão é que a LINDB viabilizou atuações práticas e eficientes, distantes da habitual burocracia brasileira, afastando o medo dos riscos e assegurando maior transparência na atuação das duas frentes (gestor e controlador).
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Autor:
Ana Cláudia Silva Araújo SantosTags:
Controle Externo, Gestão Pública, Matérias, Tribunais de Contas