*Artigo de opinião
Descubra se tais manifestações políticas são liberdade de expressão ou propaganda eleitoral irregular
O fim das medidas mais restritivas da pandemia da COVID-19 e o retorno dos festivais em todas as regiões do país trouxeram uma pauta relevante para o debate eleitoral: o limite do direito de manifestação política dos artistas x propaganda eleitoral abusiva e extemporânea.
Muito se discutiu desde a realização do festival Lollapalloza, em março deste ano, sobre o limite de manifestação política dos artistas nos festivais em ano eleitoral.
A repercussão da polêmica foi tamanha que desencadeou o ajuizamento de ação junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), após manifestações de artistas demonstrando tanto seu descontentamento com o governo atual, como o apoio ao provável candidato da oposição. O pedido de tutela antecipada para vedação de manifestações político-eleitorais por parte dos artistas que se apresentassem no evento foi acolhido em decisão monocrática do ministro Raul Araújo, sob o fundamento de que tais “tipos de propaganda” poderiam voltar a ocorrer no festival. A decisão teve vida curta, sendo revogada após apresentação de pedido de desistência da ação.
Recentemente, o debate voltou aos holofotes em virtude da Virada Cultural, que ocorreu em São Paulo nos últimos dias 28 e 29 de maio, realizada pela Prefeitura Municipal, de forma gratuita e aberta ao público, e que também contou com manifestações políticas dos artistas, ainda que discretas e silenciosas, nos palcos espalhados pela cidade.
Dessa vez, o questionamento se intensificou por se tratar de um evento realizado e pago pelo poder público, sendo questionada até mesmo a legalidade do pagamento dos artistas que apresentam suas posições políticas durante as apresentações.
Neste enfoque, considerando a proximidade das eleições e a realização de diversos grandes festivais marcados em todo o Brasil ao longo de 2022, algumas perguntas circundam o debate público: afinal, os artistas podem ou não demonstrar suas preferências políticas em seus shows? Quais as implicações dessas manifestações no plano jurídico eleitoral? Em casos envolvendo recursos públicos, pode a Administração restringir o conteúdo veiculado pelos artistas que contrata?
Ainda, os artigos 36 e 36-A da Lei eleitoral, assim como a ampla jurisprudência do TSE sobre o tema, são muito claros quanto à proibição de campanha eleitoral ostensiva e extemporânea, que prescinde de um pedido expresso de voto, não se confundindo com a liberdade de expressão, muito menos com a manifestação pública do cidadão (seja ele artista ou não) sobre suas preferências políticas.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar a ADI 5.970/DF (de Relatoria do Ministro Dias Toffoli), que tratava sobre a vedação de realização de showmício nas campanhas eleitorais, permitindo, contudo, a realização de eventos de arrecadação financeira para as campanhas, deixou clara a diferenciação de showmício dos demais eventos artísticos. De acordo com a Corte, o showmício se trata de um evento realizado para o público em geral com o intuito de convencimento do eleitorado, mediante oferecimento de entretenimento, ou, mais especificamente, de show artístico no contexto do comício ou de evento eleitoral para a promoção de candidatura.
Na ementa de referida ADI constou ser “assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato”, o que contemplaria “os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral”. Desse modo, ainda que haja a proibição dos showmícios e eventos semelhantes, tal não implicaria na liberdade de expressão, “já que a norma em questão não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas” e sim em regular as formas que as propagandas eleitorais podem ser realizadas no país.
Portanto, para a caracterização de showmício é necessária a existência do requisito principal de intenção de arrecadação de voto e não de mero entretenimento (como ocorreu no Lolla e na Virada Cultural). Assim, mesmo nos casos em que eventos culturais/artísticos são pagos com recursos públicos, se a finalidade não for a promoção de um candidato/governo, e desde que os procedimentos licitatórios ou eventual dispensa tenham sido realizados nos termos da legislação vigente, não há qualquer irregularidade no fato de os artistas manifestarem suas predileções político-sociais; não sendo razoável que a Administração atue de forma restritiva em relação a eles.
Toda essa preocupação do legislativo e do judiciário é justamente para que não ocorra o cerceamento de manifestações, o empobrecimento do debate político e eleitoral (já tão escasso no cenário nacional) e a violação da liberdade de expressão, que se perfazem em notória redução dos direitos do cidadão e do(a) próprio(a) candidato(a), que – ressalta-se – são garantidos na Constituição Federal.
Sendo assim, não incorrendo em qualquer proibição da legislação eleitoral, principalmente diante de realização de pedido de voto antes do período permitido, não há que se falar na vedação de manifestações, como as ocorridas nos últimos festivais, tampouco na suspensão/proibição de remuneração do artista, no caso de eventos públicos. O evento pode ser público, mas a opinião do artista é privada, e ele pode fazer uso de seus direitos sempre que quiser.
Os desdobramentos decorrentes do Lollapalloza e da Virada Cultural, apenas uns dos primeiros de diversos festivais que o país recebeu e receberá este ano, já evidenciam que o TSE deve ficar atento para uniformizar seu entendimento quanto ao direito de manifestação política x propaganda eleitoral irregular, justamente para que não haja a abertura de um precedente tão violento contra o direito de liberdade de expressão e do exercício da democracia.
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Autor:
Ana Cláudia Silva Araújo SantosTags:
Eleições, Manifestação Política, Matérias, Política