Gestão de pessoas e recursos humanos
A Mais Ibegesp traz o necessário debate sobre as dificuldades de se valorizar e estimular uma “cultura do mérito” na gestão pública brasileira, aplicáveis nos processos de gestão de desempenho e possíveis formas de transpor estes obstáculos. Identificar os fatores que minimizam esta cultura auxilia gestores e servidores a enfrentarem os desafios de forma mais realística e, assim, a utilizar os instrumentos de gestão de desempenho a seu favor, considerando desde o início as eventuais limitações e restrições para sua real efetivação.
Gestão de desempenho: aspectos centrais gerais
A gestão de desempenho pode ser resumida, no nosso entender, como um processo de gestão de expectativas sobre a atuação e/ou resultados da organização, de suas unidades constituintes e dos indivíduos. Não se restringe à avaliação como um passo final, é um processo.
É importante destacar nesse processo o feedback contínuo. Um processo de gestão do desempenho sem feedback é inútil porque se despende esforço para fazer a medição, mas não se dá à pessoa que realizou a atividade a oportunidade de melhorar.
Para as organizações em geral, a primeira sugestão para minimizar os impactos dos erros de avaliação é entender bem os problemas e diagnosticar quais deles de fato ocorrem na organização. A segunda é escolher o método correto, dadas as finalidades e objetivos. Uma terceira é o treinamento para evitar os erros. E a quarta sugestão é manter alguma forma de registro regular, que promova um real acompanhamento do desempenho e das expectativas a respeito.
Os fatores de avaliação devem ser claramente definidos e os instrumentos exemplificarem ações observáveis, de maneira que possam servir como indicadores de desempenho e referenciais seguros para atribuição de escores.
Aspectos do contexto que afetam a gestão de desempenho no serviço público
Alguns aspectos críticos, típicos do serviço público, devem ser agregados aos fatores de caráter geral, apontados anteriormente:
- Formação do quadro de pessoal
Uma característica básica do quadro de pessoal das administrações públicas é a baixa rotatividade dos servidores, e como consequência elevado tempo médio de casa. Se por um lado esse fator é importante para a formação de profissionais em áreas específicas, dadas as peculiaridades dos serviços públicos, essa característica pode ser a base de um processo de acomodação decorrente da estabilidade proporcionada, das vantagens adquiridas, da falta de cobrança do desempenho, entre outros.
- Tendência a uma postura reativa
A falta de um processo sólido e participativo do planejamento dessas organizações acentua a situação abordada no item anterior, inibe posturas proativas, dado que os servidores não se sentem responsáveis pelos resultados e os leva a “esperar pelas decisões da direção”. Isso minimiza um dos efeitos positivos do possível aproveitamento de pessoal interno para cargos de gestão, situação que poderia equilibrar alterações bruscas de planos de ação.
- Efetividade da posição de gestão
A transitoriedade nas posições de gestão inibe, em geral, posturas mais rígidas, principalmente na cobrança de desempenho, por que, dentre outros motivos, o gestor pode ser destituído da posição hierárquica, passando a ser o subordinado em um
segundo momento. Essa situação cria uma cultura de excessiva prudência nas decisões com respeito aos subordinados e de acobertamento mútuo. Muitas vezes instala-se uma cultura de leniência, na qual o competente, o indiferente, o descomprometido e o incompetente, todos, sem distinção, recebem avaliações máximas. Tal situação leva a sentimentos de injustiça e iniquidade que podem resultar em desmotivação e redução da produtividade, principalmente dos servidores mais eficientes e mais comprometidos com a organização.
Mesmo durante o estágio probatório, único período durante o qual os que não atingem o desempenho necessário podem ser demitidos, a avaliação não é realizada satisfatoriamente, como sugere a ínfima quantidade de demissões durante e ao final desse momento.
- Remuneração
Os planos de cargos e salários seguidos no serviço público, principalmente na administração direta, baseiam-se quase que exclusivamente na formação escolar para hierarquização da remuneração. É de praxe a utilização para promoções de fatores que nem sempre estão correlacionados com o desempenho, tais como antiguidade e pontuações que levam em conta aspectos objetivos, mas que não são proporcionais à contribuição para o atendimento dos objetivos da organização e do próprio desenvolvimento profissional.
Todas essas características descritas influenciam, negativamente, o atendimento dos objetivos de eficiência e eficácia buscados pelas organizações públicas e estabelecem para os servidores um sentimento de impotência frente a problemas que se eternizam e que são apenas contornados por várias administrações, e que, certamente, têm impacto sobre a gestão do desempenho.
A presença destas características não pode ser simplesmente ignorada.
Alternativas para tratamento das dificuldades da gestão de desempenho no setor público
É possível relacionar algumas alternativas para o tratamento mais específico das dificuldades da gestão de desempenho no setor público, considerando também as indicações gerais de endereçamento dos problemas típicos da gestão de desempenho já abordadas anteriormente:
Tratar a gestão de desempenho como um processo, e não como um evento de avaliação.
Se a avaliação de desempenho for tratada como um evento isolado no tempo o que será reforçado será que a avaliação é um julgamento, enfatizando a relação punição e/ou recompensa e tornando o momento da avaliação uma mera negociação por notas mais altas, mesmo que isso não signifique automaticamente um aumento salarial.
Quando o gestor se dedica somente ao evento de avaliação, sua legitimidade como gestor tende a se fragilizar, pois em um curto espaço de tempo precisa colher e analisar elementos para fazer a avaliação. Isso aumenta o risco de incorrer em uma barganha de notas – se quiser ser mais rigoroso – ou ser a chave para uma postura amena, de contemporizar os problemas, justificar os desempenhos e tentar ficar “bem com todo mundo”: ou seja, uma fuga do tratamento da questão do desempenho.
Por outro lado, se respeitados os passos definidos no ciclo de gestão, as cobranças do gestor sobre o desempenho da equipe tendem a ser legítimas, pois serão de conhecimento mútuo no início e passíveis de monitoramento ao longo do ciclo, o que dará oportunidades para que o servidor tente melhorar o seu desempenho gradualmente.
Desenvolver instrumentos de gestão de desempenho coerentes e com finalidades claras.
O uso de instrumentos que privilegiem situações observáveis no trabalho e minimizem percepções individuais do avaliador pode colaborar para a legitimidade do processo. Muitas vezes, nas organizações públicas, os sistemas de avaliação de desempenho são elaborados sem grande refinamento em relação às suas consequências, o que gera dificuldades de entendimento dos gestores e demais profissionais.
É preciso que, antes de qualquer implantação, a organização - seus dirigentes e área de RH - reflita sobre quais os propósitos prioritários e, então, possa escolher e elaborar os instrumentos mais adequados.
Zelar pelo cumprimento dos propósitos definidos e relacionar os resultados da gestão de desempenho com o atendimento aos objetivos da unidade e dos gestores.
Além de comunicar ou “vender” a ideia de que a gestão de desempenho é necessária e útil, cabe à organização, ao longo do tempo, zelar pelo cumprimento dos seus propósitos e finalidades, bem como reconhecer como os instrumentos ajudaram no alcance de objetivos e resultados empresariais.
Considerar a separação das finalidades que demandam decisões absolutas daquelas que demandam comparações entre pessoas
A questão das consequências das avaliações é fundamental pois, muitas vezes, algumas finalidades das avaliações podem ser contraditórias, ou tão fortes, que acabam por prejudicar outras finalidades. O caso típico é o falso paradoxo entre duas das
finalidades principais do processo: desenvolvimento e melhoria versus remuneração e reconhecimento. Um sistema de gestão pode ter as duas finalidades quando tratadas de forma distinta e utilizadas em momentos apropriados a cada uma.
O papel do gestor como orientador do desenvolvimento e desempenho da equipe: se a decisão de remuneração estiver nos “corações e mentes” no momento do feedback
individual, fica muito difícil para o gestor trazer para o debate o assunto desenvolvimento. Assim, como alternativa, algumas organizações separam as discussões e decisões que não demandam que o gestor compare os profissionais entre si, como no caso das ações de desenvolvimento, daquelas que demandam comparações, como é o caso das ações de reconhecimento.
Aperfeiçoamento nos critérios e processos de seleção gerencial.
Uma das oportunidades de melhoria está nos critérios de seleção de profissionais do quadro para assumirem posição de gerenciamento. Em algumas instituições públicas com que os autores interagiram, não foi raro escutar dos principais dirigentes reclamações de que é difícil “prestigiar” o quadro nas nomeações para posições gerenciais, pela ausência de informações sobre os perfis dos gestores atuais e dos demais profissionais que poderiam ocupar as posições.
Começa-se a observar, no entanto, alguns exemplos de organizações do setor público que implantaram processos internos bem estruturados de seleção para o preenchimento de vagas de gestores, permitindo ampla participação dos interessados e transparência nos critérios para definição dos escolhidos.
Combinado a um processo de seleção gerencial criterioso e de gestão de desempenho institucionalizando e regular, cria-se um contexto em que a troca aleatória e maciça dos gestores é desestimulada
Patrocínio da alta administração versus institucionalização da gestão de desempenho.
O papel da alta administração é crucial em vários processos e também o é na gestão do desempenho. Assim, o patrocínio da alta administração é condição importante para a efetividade da gestão do desempenho. Cabe relembrar que a rotatividade da alta administração pode dificultar uma continuidade coerente dos esforços de gestão de desempenho, mas, na medida em que os itens anteriores sejam observados, a tendência é de maior institucionalização da gestão de desempenho, por meio do reforço do papel gerencial também no nível tático e da comunicação dos ganhos com o processo. No momento de mudança de gestão, esses são elementos que podem influenciar os novos dirigentes no sentido da continuidade dos esforços.
Estimular uma postura proativa dos servidores.
Neste item, a sugestão é criar meios e estímulos para que os servidores assumam uma postura mais proativa e engajada em busca de seu desenvolvimento e resultados. Muitas vezes as definições estreitas dos cargos e o olhar apenas para a escolaridade acabam por ignorar que, ao longo de sua vida profissional, um servidor pode gradualmente assumir atividades mais complexas e de maior responsabilidade. Os planos de cargos tradicionais do setor público não estimulam o engajamento, principalmente se o gestor avalia todos da equipe de forma igual ou complacente. Assim, uma oportunidade de melhoria ligada ao tema da gestão de desempenho está na utilização de ferramentas de avaliação de desenvolvimento que ajudem a observar e diferenciar as atuações dos profissionais conforme a complexidade de atuação e, assim, permitam com que esta situação possa ser reconhecida e recompensada. Essa medida também cria uma forma alternativa de crescimento à assunção de funções gratificadas, o que pode ajudar no melhor aproveitamento dos perfis individuais, mais gerenciais ou mais técnicos.
"A necessidade de zelar pelo cumprimento dos propósitos da gestão de desempenho aparece como fonte de sua credibilidade e condição para sua efetividade.“
Orsi & Machado
Muitos avaliados podem ter receios quanto ao que realmente está por trás das avaliações; cabe identificar o que o os indivíduos podem ganhar com o processo, comunicar com intensidade tais fatores e valorizar aqueles indivíduos que obtêm tais ganhos. Novamente, a necessidade de zelar pelo cumprimento dos propósitos da gestão de desempenho aparece como fonte de sua credibilidade e condição para sua efetividade.
Essas sugestões de tratamento dos problemas apontadas, sem a pretensão de se traduzirem em fórmulas mágicas ou universais, mas como inspiração para que os gestores públicos lidem com seu contexto específico e possam obter maior efetividade na gestão do desempenho.
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Radar IBEGESP Dezembro 2018