Parâmetros para contratação por meio de Dispensa de Licitação

15 out, 2019 ● 9 minutos

Uma análise sob o enfoque do Acordão nº 2186/2019 do Tribunal de Contas da União

Ao pensar nas contratações de obras, serviços, compras e alienações realizadas pela Administração Pública, em todos os seus níveis, com terceiros, uma palavra de ordem vem em mente: licitação. Isso porque a Constituição Federal, em seu art. 37, XXI é clara quando estabelece a obrigatoriedade da realização de processo licitatório para tanto:

Art. 37. (...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Todavia, apesar de o processo licitatório consistir em regra no âmbito das contratações públicas, é importante salientar que o mesmo inciso citado anteriormente também prevê a possibilidade de ressalvas à referida ordem, desde que devidamente especificadas em lei.

Essas ressalvas são denominadas de contratação direta – Dispensa de Licitação e Inexigibilidade – as quais estão previstas expressamente na Lei de Licitações – e a principal diferença entre ambas é que na primeira há o elemento da competitividade, enquanto na segunda a competição é inviável, pois um dos concorrentes possui características e habilidades exclusivas.

No que tange à Dispensa de Licitação, objeto do presente artigo, destaque-se que todas as hipóteses estão previstas de forma taxativa no art. 24 da Lei 8.666/1993, o qual não dá margem a interpretações extensivas. Ademais, ainda que o processo licitatório seja facultativo, é imprescindível que se observe alguns parâmetros antes da contratação, a qual deverá ser instruída, quando couber, pelos elementos citados no art. 26, parágrafo único da mesma lei, a saber:

Assim sendo, havendo necessidade pública que se encaixe em quaisquer das hipóteses do art. 24, bem como a disponibilidade de recursos para cobertura da referida despesa, o responsável realizará a cotação de preços com os possíveis fornecedores por meio de um descritivo, o qual deverá conter os aspectos formais, documentais, técnicos e quantitativos essenciais à contratação, acompanhado da devida justificativa. Quanto ao último aspecto citado acima, é imprescindível salientar que em qualquer processo licitatório, inclusive na Dispensa de Licitação, consiste em obrigação do gestor responsável a realização da verificação da conformidade de cada proposta recebida com os preços correntes de mercado.

Desta forma, o gestor envolvido no processo de Dispensa deverá selecionar a melhor proposta à Administração Pública observando todos os parâmetros e requisitos legais, de modo a resguardar a isonomia e impessoalidade e também comprovar a vantajosidade econômica da contratação por dispensa, sob pena de incorrer em crime previsto no art. 89 da própria Lei de Licitações: “dispensar (...) licitação fora das hipóteses  previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa (...)”.

Nesse sentido, é importante trazer o recente entendimento exarado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), quando da análise e julgamento do processo de contratação direta por meio de Dispensa de Licitação conduzido pela Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor do Estado de Sergipe – Sejuc/SE, visando a contratação de empresa para construção de estabelecimento penal destinado à custódia de presos do regime semiaberto no município de Areia Branca/SE.

Referido processo sofreu Representação por parte do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Sergipe – Sinduscon/SE, o qual alegou a existência de indícios de direcionamento e de possível dano aos cofres públicos, por meio das seguintes razões:

  1. Não ter assegurado tratamento igualitário a todas as quinze empresas listadas pela Cehop (órgão que tinha por atribuição apontar as empresas com capacitação necessária à execução do objeto), uma vez que foram solicitadas propostas a apenas quatro empresas das indicadas que foram desclassificadas;
  2. Após a desclassificação das quatro convocadas, apenas a duas delas foi oportunizada a entrega de nova proposta sem os vícios constatados;
  3. Ao apresentarem orçamento ainda com falhas e com preços superiores aos do Referencial da Administração, apenas à construtora vencedora foi concedido prazo para a promoção de ajustes e redução do valor proposto;
  4. Não houve pesquisa de mercado com pelo menos três propostas válidas para a definição do valor do contrato.

Em contrapartida às alegações do representante, o colegiado do TCU estabeleceu importantes entendimentos que devem servir de embasamento aos gestores públicos de todas as esferas.

Assim, primeiramente, colocou em destaque a justificativa apresentada pela Sejuc, a qual embasou a dispensa no aumento dos índices de violência após o encerramento das atividades do regime semiaberto, encaixando-se no permissivo do inciso XXXV do art. 24 da Lei de Licitações: “para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública.”

Importante destacar, quanto ao aspecto citado, que o Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou entendimento de que, na ausência de estabelecimento penal adequado, o condenado não poderá ser submetido a um regime prisional mais gravoso – nos termos da Súmula Vinculante nº 56. Assim, transferindo o entendimento para o caso em tela, como não havia estabelecimento adequado para a execução do regime semiaberto, os condenados foram transferidos, por salto, a um regime mais benéfico, qual seja, o regime aberto, o que, segundo os índices apresentados pelo representado, acarretou na majoração dos índices de mortes violentas em Sergipe, ensejando o caráter emergencial da contratação.

Quanto ao alegado direcionamento da contratação, o colegiado ressaltou que, tanto no art. 24, quanto no artigo 26 da Lei 8.666/93 não há qualquer imposição quanto à quantidade de propostas e à forma de seleção do contratado, mas reafirmou a obrigatoriedade de a escolha ser justificada. Entendeu, pois, que houve um número aceitável de empresas convidadas a apresentar suas propostas, ainda que constassem outros nomes na lista indicada pela Cehop, sob pena de prejuízo à celeridade necessária para a contratação.

Nesse sentido, segue importante manifestação da defesa:

Entender que as quinze empresas deveriam ser consultadas induziria ao raciocínio de que, se a lista contemplasse cem ou mil fornecedores, os cem ou mil necessariamente precisariam ser perguntados, o que certamente inviabilizaria a celeridade desejada em contratações dessa natureza (emergencial).

Com relação à alegação de que foi concedido tratamento diferenciado às proponentes, o colegiado ressaltou que a concessão de novo prazo para apresentação de nova proposta foi dada de forma isonômica às cinco empresas selecionadas para o processo de dispensa e que duas das empresas manifestaram a impossibilidade de reduzirem seus valores e outra não se pronunciou. Apenas a empresa contratada e outra construtora apresentaram novos preços, os quais foram, respectivamente, de R$36.936.153,45 e R$41.342.021,98, ambos superiores ao orçamento referencial, que era de R$36.359.708,32.

Contudo, como a segunda construtora apresentou, além dos preços, inconsistências acerca dos quantitativos a serem ofertados, tendo em vista o caráter emergencial da contratação, a Sejuc convidou a construtora remanescente a reduzir o valor anteriormente proposto, adequando-o à planilha referencial, resultando na contratação.

Por fim, decidiu o colegiado por acolher a Representação, porém, considerá-la improcedente no mérito, tendo em vista a ausência de direcionamento e danos ao erário, firmando o seguinte entendimento:

Para mais informações e a devida adequação dos procedimentos aos recentes entendimentos fixados pelo TCU, a equipe Radar IBEGESP recomenda a você, caro leitor, a leitura e análise do Acórdão analisado.