Participação popular e cultura democrática no Brasil: muito além do voto

Rodrigo Sanches

05 abr, 2022 ● 5 minutos

*Artigo de opinião

Entenda o significado da participação como prática política no Brasil

No Brasil, a participação como prática política pode ser analisada de formas distintas. Pelo ponto de vista da relação dialética Estado-Sociedade, os grupos sociais se organizam conforme o modelo de conflito e diálogo que essa relação exige em determinado período histórico. Durante a época da diáspora africana e da escravização – que abrange tanto o Brasil Colônia como o período Imperial – essa relação é caracterizada basicamente pelo conflito armado (MOURA, 2020a. MOURA, 2020b). Entretanto, se analisada pelo viés dos movimentos sociais urbanos, presenciamos, na virada do século XIX para o XX, o movimento operário assumindo o protagonismo político, com sua forma de atuação baseada na mobilização de rua e a resposta do Estado variando entre o diálogo e a repressão policial.

Os anos 1950 e 1960 são marcados pela militância dos movimentos populares de base que surgiam naquela época, demandando maior autonomia e democracia. Dessa forma, participação no Brasil significava, basicamente, que a população pobre assumisse um papel de protagonismo no jogo político, até mesmo como ator principal e decisivo no processo de tomada de decisão política, para que assim as injustiças sociais seculares fossem superadas por meio da inserção das demandas de base na agenda política da época (PAULA, 2005).

Com o fim do período militar e a reabertura democrática, o conceito de participação no Brasil evoluiu e se aperfeiçoou. A luta por democracia no período militar, na qual participaram diversos segmentos da população e movimentos sociais, fez com que a participação se tornasse um ideal universal, e não só popular como antes, mas um princípio básico para o exercício da cidadania. Essa nova concepção da participação permeou também os princípios ideológicos dos legisladores que integraram a Assembleia Nacional Constituinte, estando assim presente na Carta de 1988 (AVRITZER, 2011).

Com isso, a participação foi garantida constitucionalmente1, complementando o sistema eleitoral e indo além dessa tradicional participação por meio do voto. Dessa forma, esse novo conceito constitucional de democracia participativa definiu a modelagem institucional da nova república, tanto das instituições formais e pragmáticas das instâncias administrativas clássicas quanto das instituições onde ocorriam de fato a participação, como os conselhos de políticas públicas, orçamentos participativos, fóruns interconselhos e as conferências de políticas – mais conhecidas como instituições participativas (IP)2, ou arranjos participativos (PAULA, 2005).

Cada uma dessas IPs apresentam estruturas institucionais de participação e tomada de decisão distinta, gerando assim resultados políticos variados e distintas formas de influência no planejamento público. Por exemplo, há instituições em que as estruturas são mais horizontais, liberais e que estimulam a participação de qualquer cidadão que assim o desejar, como os orçamentos participativos; já outras que são mais restritivas, menos liberais e tem um número limitado de atores sociais em suas estruturas, que são os casos dos conselhos de políticas. As especificidades de cada IP determinarão tanto o perfil dos atores e a quantidade dos mesmos dentro do processo quanto as políticas e as decisões que serão produzidas com a participação (AVRITZER, 2008, p. 47).

Desse modo, sendo a participação uma realidade nacional nos últimos anos, a questão que desponta no momento e que grande parte dos pesquisadores da área se dedica a responder é: qual o nível de efetividade desses arranjos participativos? Ou seja, em que medida esses arranjos intervêm de fato na formulação de políticas públicas e no planejamento estatal? E quais são os fatores externos e internos que exercem influência sobre o desempenho e os resultados dessas instituições participativas? Essas são questões essenciais para o futuro das instituições participativas, e que a sociedade civil e a academia devem se esforçar para analisar e responder, tornando a democracia brasileira mais forte e estimulando a população para a participação política.

Bibliografia
AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião pública. Campinas, v. 14, n. 1, jun 2008, p.43-64. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762008000100002. Acesso em: 6 mar. 2022.

AVRITZER, L. A qualidade da democracia e a questão da efetividade da participação: mapeando o debate. In: PIRES, R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação (Diálogos para o desenvolvimento, v. 7). Brasília: IPEA, p. 13-25.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao. Acesso em: 6 mar. 2022.

MOURA, C. Quilombos: Resistência ao escravismo. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2020a.

MOURA, C. Rebeliões da Senzala: Quilombos, insurreições e guerrilhas. 6ª ed. São Paulo: Anita Garibaldi: 2020b.

PAULA, A. P. P. Administração Pública Brasileira entre o Gerencialismo e a Gestão Social. Revista de Administração de Empresas. v. 45, n. 1, São Paulo, 2005, p. 36-49. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rae/article/view/37088/35859. Acesso em: 6 mar. 2022.

1 A constituição traz em seu bojo dispositivos legais que obrigam algumas políticas de Estado a formação de conselhos gestores e a realização de conferências regularmente, alguns desses artigos são: Art. 198, inciso III. Art. 204, inciso II. Art. 216-A, Parágrafo 1, inciso X (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao).

2 Segundo Avritzer (2008, p. 45): “Por instituições participativas entendemos formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas”.

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