Saiba mais sobre os efeitos da segregação de funções na eficiência da administração pública através do comentário de Daniel Bonatti
A avaliação de toda lei e princípio do direito deve estar incluída nos instrumentos que fazem da cadeira jurídica uma ciência, ou seja, abandonar os métodos disponibilizados e consagrados por esta ciência para o melhor funcionamento do tecido social. Recentemente, em um debate profissional, me deparei com uma alegação sobre os limites e o impacto do princípio da segregação de funções na estrutura administrativa.
O princípio da segregação de funções decorre do princípio da moralidade e é princípio básico do sistema de controle interno que consiste na separação de funções, nomeadamente de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações”. (Portaria nº 63/96, de 27/02/96 —?Manual de Auditoria do TCU)
É importante ter em mente que esse princípio consiste na divisão de funções e responsabilidades entre diferentes agentes públicos como forma de evitar erros e desvios.
A atenção ao princípio e à garantia da integridade dos procedimentos de compras públicas não pode descartar a necessidade de adotar medidas adequadas à obtenção da eficiência administrativa, que é um princípio constitucional. Segundo o Manual de Controle Interno do Poder Executivo Federal (2001, p. 67–68, apud Revista do TCU)
[...] a estrutura das unidades/entidades deve prever a separação entre as funções de autorização/ aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio.
Complementando o entendimento delineado, o Acórdão nº 3.031/2008-TCU-1ª Câmara, ressalta a impossibilidade de se “1.6 […] permitir que um mesmo servidor execute todas as etapas da despesa, [isto é] as funções de autorização, aprovação de operações, execução, controle e contabilização.”. Portanto, não resta dúvida que o princípio recai sobre o servidor público.
Contrário à percepção comum do princípio de eficiência, servidores da administração pública, inclusive juristas, por questões sem importância para a discussão do princípio em si, tomaram o hábito de criar estruturas e “autoridades” responsáveis para o cumprimento do referido dever, entrando em conflito com o princípio da eficiência.
Além do conflito com o princípio da eficiência, estruturas que foram e ainda são criadas consolidam nichos de poder onde se encontram “autoridades financeiras” que passam a opinar sobre o que pode ou não ser realizado pelo gestor público, muitas vezes excedendo o caráter técnico de sua atuação e se colocando no debate da conveniência e oportunidade das medidas. Portanto, ao estabelecer essa estrutura administrativa, essa “autoridade” se torna uma “instância de controle”.
Claramente um desequilíbrio se considerarmos a tentativa de junção da eficiência e do controle da administração. Esse desequilíbrio é ainda mais evidente se levarmos em consideração os avanços da tecnologia, que disponibilizam ferramentas de controle e transparência mais confiáveis em comparação com o trabalho humano.
Nossa estrutura legal administrativa, especialmente na área das licitações, foi elaborado na década de 90, quando a tecnologia ainda engatinhava como instrumento de trabalho. Basta recordar que celular não existia e a internet ainda possuía uso restrito e era discada, portanto, o princípio da segregação de funções se encaixava melhor no sistema da época.
Atualmente, programas como o Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (SIAFEM) controlam cada operação financeira através de limitações de senhas para operadores e restrições à inserção de valores que não condizem com as operações. Além disso, a responsabilização, como princípio e ação, se apoia cada vez mais em diversos instrumentos de transparência e controle.
Sendo assim, vale lembrar que já é pacífico na melhor doutrina que o princípio da segregação de funções não se trata de um princípio absoluto, desta forma, caberá análise de custo-benefício em relação às estruturas, afinal, também é princípio da administração pública (constitucional) a eficiência.
[...] sob qualquer dos seus aspectos, a interpretação é antes sociológica do que individual. Vai caindo em vertiginoso descrédito a doutrina oposta, que se empenha em descobrir e revelar a vontade, intenção, o pensamento do legislador. (Carlos Maximiliano)
Portanto, mesmo que o aspecto conceitual deixe de ser um empecilho, a interpretação do princípio de segregação de funcções deve ser estar lado a lado com os aspectos contextuais, como o ferramental tecnológico, os processos da administração pública e do contexto socioeconômico.
A evolução do direito deveria englobar, também, a necessidade óbvia de uma organização de recursos mais eficientes, através de um sistema menos controlado, contudo, mais responsivo, ou melhor, mais accountable.
Autoria: Daniel Bonatti
Mestre em Gestão de Políticas Públicas e Especialista em Políticas Públicas da Casa Civil – SP
Tags:
Direito do Trabalho, Matérias, Recursos Humanos e Gestão de Pessoas