Quem vai cuidar dos inovadores?

Francisco Pereira

23 nov, 2023 ● 5 minutos

*Artigo de opinião

Saiba como a humanização e inovação se relacionam

Este conteúdo faz parte do centro de estudos Inovações e Boas Práticas do IBÊ

Peço licença e desde já esclareço que este texto tem um caráter subjetivo. Um resgate de sentimentos e crenças que me acompanham desde o início da vida acadêmica e que, me parece, insistem agora em demonstrar sua importância. 

A ideia de que nem tudo precisa ser “útil”. Ou, em outras palavras, a visão linear e mecanicista da vida e da educação que faz parecer que o saber só tem valor se for útil, aplicável e mensurável. 

Não é uma novidade que nós estamos vivendo um tempo em que nosso trabalho é mental e que mesmo quando estamos nos divertindo ou “relaxando”, estamos trabalhando. Neste sentido, chegamos ao ponto em que entendemos que estamos num mundo em que o trabalho é ininterrupto e que nos exige cada vez mais de nossa capacidade mental. Percebemos que, nas mais variadas profissões, estamos revestidos de um caráter tecnicista e científico que têm nos afastado da humanização das relações. 

O que isso tem a ver com a inovação no setor público?

Não somos uma bolha – nós o setor público e os inovadores – e, portanto, também bebemos dessa fonte: do trabalho tecnicista, da desconexão com o contexto humano e do adoecimento mental de trabalhadores que não param nunca de pensar e produzir.

Servidores Públicos engajados na inovação em políticas públicas e serviços públicos enfrentam muitos desafios: falta de apoio de colegas e chefias, falta de recursos, microgerenciamento e burocracia excessiva, entre outros. Associado a isso, a cobrança por prazos e resultados não para – lembrem-se da lógica da máquina.

Se por um lado lidamos com barreiras à inovação e com cobranças crescentes por resultados, já há um entendimento de que o que fazemos, em última instância, é lidar com pessoas. Pessoas que trabalham e precisam de ambientes de confiança e acolhimento, que lhes confiram segurança psicológica e pessoas que precisam de políticas e serviços que lhes ajudem a ter uma vida melhor

Seja qual for o ponto de vista, o que temos ouvido é que as pessoas querem “menos técnica e mais conexão”.

Sobre isso, temos iniciativas que já são realidade e que têm contribuído muito para os servidores públicos e trabalhadores de maneira geral. Assim, surgiu o LA-BORA! gov, Laboratório de Gestão Inovadora do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos – MGI, que desde 2019 tem lidado com questões ligadas à atuação dos servidores públicos compreendendo que a inovação precisa de servidores engajados.

“No passado, o trabalho dependia de músculos. Agora depende do cérebro. No futuro, dependerá do coração”. (Minouche Shafik, diretora da London School of Economics and Political Science).

O laboratório busca acolher e apoiar o processo para uma mudança de modelo mental e comportamental e na forma de o governo interagir com servidores e servidoras, criando soluções inovadoras que tenham mais aderência à realidade e às necessidades das pessoas.

Recentemente – ainda que a iniciativa já tenha cerca de 20 anos -, conheci o LabHum – Laboratório de Humanidades da Universidade Federal de São Paulo, coordenado pelo Professor Dante Gallian, Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e Docente Associado do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Escola Paulista de Medicina (EPM) da UNIFESP. O laboratório utiliza a literatura e as interações entre os participantes – tanto presenciais como remotas -, para promover uma construção coletiva do saber não associada diretamente à utilidade e à técnica. Na verdade, trata-se justamente de uma proposta voltada para o resgate dos afetos e da humanização.

Percebe-se o impacto de toda esta experiência humanística quando, após um certo tempo de participação no Laboratório, começa a se verificar como esta “ampliação da esfera do ser” passa a interferir na prática profissional e na vida como um todo [...] desencadeando mudanças de visão e atitudes; mudanças estas próprias de um movimento de “ampliação”, enfim de humanização.

Ao final, somos pessoas – seres humanos – em um contexto de exigências cada vez maiores e de um trabalho que cada vez mais se reveste da técnica em que se tornam indistinguíveis as fronteiras entre o servidor / trabalhador e o ser humano que trabalha e serve.

Promover espaços de confiança e de acolhimento, como no caso do LA-BORA! gov, e espaços de conexão humana, em que o conhecimento promovido coletivamente mobiliza afetos e cura as mentes e os corações, como no caso do Lab-Hum, não são soluções paliativas ou acessórias para distrair as mentes enquanto descansam. Antes de tudo, são realidades efetivas que acolhem e geram repertório para as pessoas que, em última instância, precisam estar preparadas e felizes para entregar à sociedade serviços e políticas públicas que tornem suas vidas melhores.

Para conhecer mais:

LA-BORA! gov

https://www.gov.br/servidor/pt-br/assuntos/laboragov

Laboratório de Humanidades - LabHum

https://cehfi.unifesp.br/labhum/o-labhum


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