Sistema de financiamento e instrumentos de gestão do ensino básico brasileiro

Rodrigo Sanches

12 jul, 2022 ● 11 minutos

*Artigo de opinião

Confira um panorama dos principais instrumentos legais de gestão do sistema público de ensino

Nos protestos de massa organizados em 2013, era comum avistar cartazes pedindo investimentos na educação e uma melhor gestão das escolas públicas e do sistema público de educação brasileiro de um modo geral. Porém, será que a maioria das pessoas sabe como funciona a gestão e o financiamento do sistema educacional brasileiro? Como se dá a partilha das responsabilidades e qual a função específica de cada ente federativo ou até mesmo da sociedade civil nesse processo? Com o objetivo de ajudar a responder essas questões, este artigo traz uma breve revisão sobre os principais instrumentos legais de gestão do sistema público de ensino básico no Brasil e como se deu sua formulação ao longo dos últimos anos.

A lei orgânica nº 9.394, popularmente conhecida como LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), foi sancionada no ano de 1996 com o objetivo de regular e organizar o sistema educacional brasileiro. A LDB fixa normas gerais para o funcionamento dos estabelecimentos de ensino, tanto públicos quanto privados, em todos os níveis administrativos da federação. Dessa forma, unifica a maneira como os diversos níveis de educação são implementados.

O movimento que impulsionou a criação da LDB teve origem no período constituinte, no início da década de 1980, com a ampliação da demanda por um Estado que promovesse a educação pública de qualidade. Os mesmos educadores que participaram da formulação da Constituição também estavam presentes nas discussões sobre a LDB, trazendo para essa legislação valores que já vigoravam na Carta (DURHAM, 1999). A lei nº 9.394 reforça e reafirma os valores garantidos pela Constituição no que se refere à educação.

A LDB tem como um de seus pontos mais importantes a definição das obrigações do Estado para a promoção da educação básica obrigatória, ou seja, quais os caminhos que os governos têm de seguir para que seu sistema educacional atenda às diretrizes impostas pela peça legislativa. A educação brasileira é dividida em dois níveis, segundo a LDB: 1) o nível básico, no qual constam o ensino infantil, o ensino fundamental e o ensino médio; e 2) o nível superior, que abarca a questão do ensino universitário e dos cursos de graduação e pós-graduação (Art. 21).

A Constituição define como gratuita e obrigatória a educação básica dos 4 aos 17 anos. A gratuidade e obrigatoriedade da educação básica são colocadas tanto na Constituição quanto na LDB de 1996, inclusive para aqueles que não concluíram na idade própria.

A educação é colocada como direito público subjetivo, ou seja, o seu não fornecimento implica na possibilidade de responsabilização da autoridade competente. O artigo 32 da LDB menciona como objetivos principais do Ensino Fundamental:

“I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.” (art.32 L9394/1996)

Ao longo da década de 1990, houve importantes mudanças legais no que se refere ao financiamento e regulamentação do ensino básico no Brasil, com destaque para a LDB, citada acima; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), instituído pela Emenda Constitucional nº 14 de 1996, e regulamentado pela Lei nº 9.424 de 1996; e os Parâmetros Curriculares para o Ensino Fundamental, em abril de 1988, elaborados pelo Conselho Nacional de Educação (DURHAM, 1999. ARELARO, 2005). 

O Fundef teve importantes implicações nas mudanças no Ensino Fundamental e foi uma das medidas mais marcantes do período. Ele associou a distribuição de recursos ao número de alunos matriculados no ensino fundamental, o que diminuiu possíveis interesses partidários e clientelistas no recebimento do recurso, assim como estabeleceu o piso do aluno e a porcentagem destinada à remuneração dos professores - 60% - (DURHAM, 1999. ARELARO, 2005). A definição do repasse por número de matrículas gerou uma municipalização do ensino fundamental, havendo um aumento da presença dos municípios na gestão escolar, além disso, essa medida ocasionou uma aproximação da sociedade civil na gestão escolar e na formulação do plano político-pedagógico das escolas (ARELARO, 2005).

 Houve melhorias também no que diz respeito à avaliação em larga escala, principalmente na metodologia do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), possibilitando um melhor acompanhamento dos resultados e das políticas públicas educacionais. Outra questão importante foi o aprimoramento na formação e capacitação dos docentes, estabelecendo que os professores deveriam ter como formação mínima o ensino superior, havendo também incentivos decorrentes dos recursos destinados aos docentes pelo Fundef.

Em 24 de abril de 2007, foi lançado pelo MEC o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que compete clara atenção ao ensino fundamental. O PDE abarcou grande parte das ações desenvolvidas pelo MEC, sendo que a educação básica foi o objeto da maioria dessas ações. O Decreto Federal nº 6.904/2007, que dispõe sobre o “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação”, visava regulamentar o regime de colaboração entre os entes federativos para a melhoria da educação básica. Como padrão de qualidade para o Plano de metas estabelecido, adotou-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb -, implementado em 2007 e desenvolvido pelo Inep, é um Indicador muito importante para mensuração da qualidade do sistema educacional (SAVIANI, 2007. OLIVEIRA, 2009).

O Plano Nacional de Educação, sancionado no dia 26 de junho de 2014, tem vigência de 10 anos e foi redigido pelo próprio executivo como uma proposta de legislação e encaminhado ao congresso no ano de 2010; porém, devido às intensas negociações e diversas reuniões de estudo do projeto, tanto na Câmara quanto no Senado, ele só foi votado e finalmente aprovado pela câmara em junho de 2014. 

O PNE foi elaborado para ser um instrumento de gestão e planejamento de longo prazo da educação básica brasileira. É composto por 20 metas e tem como principal objetivo direcionar à área da educação pública um investimento correspondente ao valor de 10% do PIB. Com um investimento público dessa magnitude o plano visa, em um prazo máximo de 6 anos, atingir objetivos concretos e ambiciosos, que caso sejam realmente alcançados irão causar um impacto relativo na educação pública brasileira. Esses objetivos foram claramente prejudicados pela pandemia e pela crise política e econômica.

Dentre as metas e as diretrizes objetivas estipuladas pelo plano, algumas são estratégicas para o desenvolvimento da educação brasileira, como a erradicação do analfabetismo tanto nas crianças e adolescentes em idade escolar quanto nas pessoas que já saíram da escola e não foram alfabetizadas; a universalização do acesso ao ensino básico (em todos os níveis de ensino que o mesmo abarca); estratégias para a inclusão de minorias às oportunidades escolares; aumentar a média do índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb) de 4,6 para 6 (em uma escala de 10) até 2020; foco na formação continuada e aperfeiçoamento dos professores; melhorar as condições de permanência estudantil; aumentar a escolaridade da população entre 18 e 29 anos e também entre a população rural e os mais pobres; aumentar a oferta e o acesso ao ensino técnico e ao ensino superior, dentre outras.

Além disso, o texto garante formas importantes de monitoramento, fiscalização e accountability por parte da sociedade civil em relação ao cumprimento das metas, tanto pelo governo federal quanto pelos estados e municípios. Dessa forma, o plano deixa claro que o cumprimento das metas se dá somente pelo trabalho conjunto dos três entes federativos, e ressalta também a importância da participação da sociedade nesse processo de gestão. Logo, essa garantia legal é a única forma de atingir o gasto público ideal e alcançar os 10% do PIB.

É possível perceber, a partir da análise do processo de formulação desses instrumentos de gestão da educação básica no Brasil, que houve uma melhora considerável em diversos fatores determinantes, principalmente no nível fundamental. A Constituição de 1988 já demonstrou uma quebra no paradigma da gestão educacional brasileira, colocando o Estado como principal responsável e promotor da educação gratuita e de qualidade. Esse processo seguiu com a sanção da LDB, em que os preceitos legais estabelecidos na CF foram reforçados e alguns implementados.

Entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, as duas peças legais citadas anteriormente foram aos poucos sendo implementadas e, dessa forma, a educação começou a ingressar no planejamento de governo e ocupar espaços importantes nas arenas decisórias, não só no âmbito do governo federal, mas também nos governos locais. Até o ano de 2015, os principais indicadores na área de educação demonstraram um avanço considerável, mostrando que as políticas públicas estavam sendo implementadas de forma minimamente responsável, resultando em um aumento do acesso das crianças às vagas escolares e também da qualidade do ensino.

Com a sanção do PNE em 2014 e a expectativa pelo pacto entre os entes federativos na implementação das metas, esperava-se por uma melhora na gestão dos recursos e na qualidade do serviço prestado, porém com a crise política e econômica de 2016 essa realidade não se concretizou. Pelo contrário, a crise se agravou, os recursos diminuíram ano a ano e a pandemia de 2020 ameaçou o sonho da democratização do ensino básico brasileiro. Cabe agora à sociedade civil organizada, cobrando de seus representantes nos poderes legislativo e executivo, retomar o projeto e as metas estabelecidas no PNE e no PDE, para que um projeto de longo prazo para o desenvolvimento do ensino básico brasileiro possa se tornar novamente uma realidade.

Referências Bibliográficas

ARELARO, L. R. G. O ensino fundamental no Brasil: avanços, perplexidades e tendências. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 26, n. 92, 2005, p. 1039-1066. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302005000300015&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 4 jul 2022.

BRASIL. PNE em movimento. Disponível em: https://pne.mec.gov.br/. Acesso em: 6 jul 2022.

OLIVEIRA, D. A.  As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e permanências.   Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. Brasília, v. 25, n. 2, 2009, p. 197-209. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/rbpae/article/download/19491/11317. Acesso em: 5 jul 2022.

DURHAM, E. R. A educação no governo de Fernando Henrique Cardoso. Tempo Social. São Paulo, vol. 11, n. 2, 1999, p. 231-254. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20701999000200013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 5 jun 2022.

SAVIANI, D. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 28, n. 100, 2007, p. 1231-1255. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302007000300027&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 4 jul 2022.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 30 jun 2022.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao. Último acesso: 25 jun 2022.

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