Novos limites para adesão e caronas
O Decreto Federal nº 9.488/2018, em vigor desde primeiro de outubro, trouxe importantes mudanças ao Sistema de Registro de Preços que impactam nos limites de adesões à Ata e impõe maior planejamento à possibilidade dos chamados “caronas”. Para entender mais sobre o que é, suas vantagens e desvantagens, a Revista Mais IBEGESP conversou com a especialista em Licitações e Contratos Administrativos Gislany Gomes Ferreira.
- O que é o sistema de Registro de Preços?
É um sistema que possibilita que um órgão registre em ata determinado produto ou serviço de que precise constantemente ou cujos quantitativos não possam ser especificados previamente. Então, em vez de fazer licitação para entrega parcelada ou única, é possível registrar os preços para ir adquirindo de acordo com a necessidade. As modalidades podem ser pregão ou concorrência. A mais usual é o pregão, pois na maioria das vezes são bens e serviços comuns. Ou seja, é ideal para quando há constantemente a contratação ou compra de um item, como serviço de buffet, em situações em que há vários eventos ao longo do ano, mas sem datas determinadas, ou ainda materiais de limpeza e de escritório. No entanto, é preciso comprovar e justificar o porquê da escolha dessa modalidade.
- Qual a vantagem deste sistema?
Uma das vantagens é que o órgão não tem a obrigação de comprar ou contratar os produtos ou serviços registrados em ata. Ele pode fazer o registro de mil cadeiras, por exemplo, e chegar ao final do vencimento da ata e não comprar nenhuma. Além disso, seus recursos financeiros não ficam comprometidos, pois devem ser disponibilizados apenas no momento da aquisição. Muitos gestores têm dificuldades ao fazerem licitações e ao realizarem o planejamento necessário, por isso outra vantagem é, em vez de determinarem várias compras diretas ou licitações, eles já terem os objetos registrados quando for necessário adquirir, principalmente para evitar muitas compras diretas, o que pode trazer sérios problemas.
- Esta contratação não pode ser entendida como uma “fraude” à licitação?
É preciso estar atento aos critérios legais. Há casos em que se faz o Registro de Preços para fugir da reserva, pois é o único caso em que não precisa seguir o artigo 14 da Lei 8666/93 (Lei de Licitações). De acordo com o artigo, nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa. Há diversos casos em que o órgão faz a licitação por meio do Registro de Preços porque está sem recursos. Logo depois, entra algum dinheiro e já requisita todo o quantitativo. Isso tem chamado a atenção dos órgãos de controle, pois não foi feito o SRP por se enquadrar em um dos critérios da lei, tratou-se apenas de um subterfúgio para driblar a falta de dinheiro. O decreto 7892/13, no artigo 3°, traz as hipóteses de cabimento do SRP que devem ser sempre justificadas, sendo elas: quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes; quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa; quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade ou a programas de governo; ou quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração
- O que é Órgão Participante, Carona e Gerenciador?
O Gerenciador é o que faz a licitação, a pesquisa de preços e elabora o edital, ou seja, comanda todo o processo licitatório. O Participante não comanda, mas participa de todo o processo. Por exemplo, a Prefeitura de um município faz a licitação para a compra de computadores e a câmara também precisa. Ela comunica seu interesse e envia o termo de referência, no caso de um pregão, onde constam todas as informações do que precisam. Ou seja, o Executivo é o gerenciador e o Legislativo é o participante. Digamos que uma autarquia precisa também de computadores e não participou deste processo, mas viu que a ata está vigente. A autarquia vai solicitar à Prefeitura para aderir à ata. Esta é a figura do carona ou órgão não participante, como o decreto traz. Se for autorizado, participará da ata para a aquisição. Neste exemplo, a Prefeitura é o órgão gerenciador, que fez a pesquisa, o edital e todo o processo. A Câmara é o participante, porque mandou seus quantitativos e participou do processo de elaboração da licitação, e o carona é a autarquia, que entrou em uma licitação já existente.
- Então esses órgãos (gerenciador, participante e carona) podem ser de diferentes Poderes e esferas?
Sim, mas é preciso estar atento. O Decreto nº 7892/2013 proíbe a União de pegar carona em outras atas estaduais e municipais. No entanto, municípios e Estados podem vir aderir à ata da União. Fora isso, um município pode aderir à ata de um outro município, Estado ou da União. Entre órgãos estaduais e municipais é preciso estar atento às recomendações do Tribunal de Contas e verificar se não há nenhuma regulamentação que restrinja as adesões entre diferentes esferas. Um conselho que sempre dou é fazer uma consulta antes de tomar a decisão. Há auditores dentro de uma mesma região que podem ter diferentes entendimentos, por isso o ideal é consultar algum órgão de controle previamente e se assegurar de que haja justificativas concretas.
- Por que é interessante aderir a uma ata de registro de preços?
É interessante por uma economia de tempo, primeiramente. Porque a licitação envolve várias áreas e há uma série de procedimentos como especificação do produto, precificação e elaboração do Termo de Referência. Tudo isso leva muito tempo. E ainda há uma economia de preço, porque com o aumento de itens, na soma dos participantes, consegue-se preços melhores do que se o órgão licitasse individualmente
"Uma das vantagens do Sistema de Registro de Preços é que os recursos financeiros não ficam comprometidos, pois devem ser disponibilizados apenas no momento da aquisição. “ Gislany Gomes Ferreira
- Existe alguma vantagem ao entrar um carona?
Não vejo muitas vantagens para quem elabora a licitação, é um trabalho a mais e não se consegue mensurar quem vai entrar. É mais vantajoso para o carona, na minha opinião, mas cabe fazer o alerta de que não é um procedimento tão simples. Primeiro cabe ao órgão gerenciador permitir a figura do carona e, ao permitir, deve analisar o pedido do órgão que quer ser o “carona”. Este deve justificar seu pedido e demonstrar a vantagem, inclusive, fazendo uma pesquisa de mercado para verificar se os preços são compatíveis. Será a pesquisa de preços que vai justificar se compensa ou não aderir àquela ata ou fazer a sua própria licitação. No entanto, é um cuidado que na prática, muitas vezes, não se tem. Além disso, tanto o órgão gerenciador quanto o fornecedor dos produtos ou serviços pode recusar os caronas. É possível que aconteça de o fornecedor não ser capaz de fornecer a quantidade de materiais não previstos e solicitados pelos caronas. Inclusive, há órgãos que já vetam qualquer adesão no próprio edital e não há como obrigá-los a aceitar quando está determinada em seu edital a não aceitação de órgãos não participantes ou carona.
- O que é e quais outros pontos merecem atenção do gestor em relação ao Decreto nº 9488/2018
A medida impôs maiores limitações aos caronas. Antes desta restrição, suponha que o Município de São Paulo e a Câmara Municipal fizessem uma licitação pelo SRP, sendo o Município o órgão gerenciador e a Câmara o órgão participante, e cada um deles precisasse de mil computadores, somando-se dois mil registrados na ata. No exemplo citado, cada carona poderia pedir a adesão e adquirir mais dois mil aparelhos cada um, pois o limite individual era a mesma quantidade solicitada pelo gerenciador e participante. Já em relação à limitação global, da soma de caronas, era de até cinco vezes, ou seja, mais dez mil computadores neste exemplo. Então se cada carona se utilizasse do limite individual mínimo de dois mil computadores, poderiam ter cinco caronas, não entraria um sexto neste exemplo, pois o limite global já teria sido utilizado. Em virtude disso, houve muitas críticas quanto à figura do carona e os valores adquiridos, que se tornavam exorbitantes em relação ao inicialmente licitado. A mudança que o Decreto nº 9488/18 impôs foi que cada carona passou a poder adquirir apenas 50% do valor registrado na ata quanto ao limite individual e o dobro em relação ao limite do grupo de caronas. No exemplo citado, cada carona poderia adquirir apenas mil computadores, e o grupo apenas quatro mil computadores. Então, em resumo, antes o limite individual era de 100% e passou a ser 50% e na soma de todos (limite global); antes era de cinco vezes ao registro inicial (dez mil no exemplo) e passou a ser o dobro (quatro mil no exemplo). Acompanhe também o exemplo no quadro a seguir.
- Qual prazo da ata de registro de preço?
A ata pode vigorar por até 12 meses, sendo permitida uma prorrogação em casos em que o documento estiver em vigor por menos tempo, por exemplo, se a ata tiver sido feita para seis meses e naquele período não tiver sido adquirido todo o quantitativo, é possível prorrogá-la por mais seis meses.
- O que gostaria de acrescentar sobre o SRP?
Há alguns problemas recorrentes em relação à utilização do SRP que tenho observado ao longo dos anos em que ministro treinamentos. Um deles é a questão da não redução dos valores registrados na ata quando o preço do mercado se tornar inferior ao registrado. Conforme consta no decreto, não é possível adquirir o produto ou serviço registrado quando o preço estiver acima do preço do
mercado. Nesse caso, se o detentor da ata não quiser ou não puder deixar o preço no de mercado, o órgão público poderá liberá-lo do encargo e adquirir o objeto de outra forma. Outra confusão que se faz é considerar a ata um contrato. São coisas distintas, tanto é que a aquisição do objeto registrado na ata, dependendo do caso, nem precisa da elaboração de um contrato, pois pode ser emitida apenas a nota de empenho ou documento similar. Mais um problema é o aditamento à ata de registro de preços, que não é possível. O contrato segue as regras do contrato normal, podendo ser aditado, prorrogado, mas a ata não pode ser aditada. Outra irregularidade é a elaboração de contrato após já ter decorrido o prazo de vigência da ata, no entanto, é possível haver uma ata já vencida com um contrato dela decorrente ainda em vigor, desde, é claro, que tenha sido elaborado com a ata ainda em vigência.
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Radar IBEGESP Novembro 2018