Impactos da atualização da Lei de Licitações:
Confira a opinião de uma especialista sobre o impacto das mudanças na Lei de Licitações no cotidiano dos gestores públicos:
- A necessidade de uma atualização na lei de licitações é consenso dentre os estudiosos da área. Como parte deste grupo, qual sua percepção a respeito das inovações trazidas pelo Projeto de Lei 1292/95? Acredita que as mudanças atendem as demandas das diferentes organizações da Administração Pública de forma a tornar o processo mais ágil e transparente?
Primeiro, é importante que se diga que o Brasil dispunha de uma legislação enxuta (Decreto Lei 2.300/86) que atendia aos anseios da Administração Pública em determinado momento histórico. Uma legislação mais genérica e desprovida de casuísmos é o que se aconselha, e o Decreto Lei 2.300/86 atendia bem este papel.
Entretanto, não demorou para que pressões de diversos segmentos da sociedade clamassem por uma reforma na lei de contratações públicas, sobrevindo, no ano de 1993, a Lei 8.666. O fato de se ter editado uma lei federal, de aplicabilidade nacional, contendo normas excessivamente detalhistas e casuísticas sobre licitações e contratos é, por si só, um equívoco. Esta maneira de se disciplinar o tema trouxe consequências negativas à gestão pública, entre elas o maior engessamento e burocratização da Administração, aumentando consideravelmente o valor dos ajustes.
Como consequência, buscou-se alternativas, encontrando-se no Pregão (Lei 10.520/02) a possibilidade de realizar procedimento mais célere e menos burocrático. Ocorre que os diplomas anteriormente referidos, somado à Lei do Regime Diferenciado de Contratações (Lei 12.462/2011), tornou o universo das licitações tormentoso, provocando naqueles que militam na área a expectativa de que uma lei só faça as vezes de disciplinadora da matéria. Por tal razão, sobreveio o Projeto de Lei 1292/95, mais tarde substituído pelo Projeto de Lei 6814/2017, cujo texto base já se encontra aprovado.
Referido projeto de lei ganhou destaque já em 1995, especialmente pela adoção de diretrizes mais modernas e ágeis, primando pela transparência, eficiência e celeridade dos procedimentos licitatórios. Há no Projeto aprovado temas que precisarão ser mais bem explicados, pois possuem uma sofisticação de procedimento que requererá cautela da Administração, como o “Diálogo Competitivo”. Mas algumas questões são bem-vindas, como o maior retorno financeiro entre os critérios de julgamento e a obrigatoriedade do planejamento anual das compras, em razão do consumo.
Lei de Licitações atualizada: como se dará a adaptação às inovações trazidas pela futura Lei
- Na sua opinião, a complexidade do conjunto normativo em torno do processo de compras públicas traz quais consequências para sociedade e para o poder público?
O Brasil precisará se adaptar com a nova realidade das licitações. Por tal razão, o período de adequação é de dois anos. Isso, de alguma forma aconteceu quando do advento da Lei 8.666/93, pois ela trouxe práticas que não eram usuais na época. Agora não será diferente. O Poder Público em suas diversas esferas deverá se atentar para as exigências e possibilidades da nova legislação e as pessoas que lidam com o assunto necessitarão de muito treinamento. Sou otimista em relação às mudanças.
Lei de Licitações atualizada: as novidades trazidas pela nova configuração da lei
- Quais as principais novidades trazidas pela Lei de Licitações atualizada, na sua opinião? Quais novidades eram mais esperadas da Lei de Licitações atualizada?
O Projeto de Lei estabelece modalidades de licitação diferentes das atuais, sendo o Diálogo Competitivo (também conhecido como diálogo concorrencial) a grande novidade, em especial para a celebração de contratos mais complexos.
Por essa modalidade de licitação, as empresas privadas e o poder público farão um diálogo prévio à abertura da licitação. O objetivo é desenvolver alternativas para atender as necessidades públicas. Após o fim do diálogo, apresentam proposta final. Essa modalidade é adotada pela União Europeia desde 2004.
O diálogo competitivo pressupõe objetos tecnicamente complexos, além do domínio comum de conhecimento dos órgãos ou entidades contratantes, seja sob o aspecto técnico ou de estrutura financeira ou jurídica.A inversão de fases passa a ser a regra: primeiro se julga a proposta e depois são cobrados os documentos de habilitação do vencedor.O projeto estabelece um período de transição, permitindo aos órgãos usarem a lei atual por até dois anos.
Está o uso de pregão “para as contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e de serviços de engenharia e arquitetura”. Pelo texto, o pregão só poderá ser utilizado nos casos em que “o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital”.
Vem para o cenário nacional a contratação integrada e semi-integrada, dando ao contratado mais responsabilidades na execução. Manteve-se o instituto da matriz de riscos, já utilizada pela legislação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC). A ideia aqui é dividir com o Público os compromissos decorrentes do contrato mas, também, deixar mais claro o que se esperará da empresa contratada.
Lei de Licitações atualizada: o que mudou na composição de equipes de apoio
- Qual a sua opinião sobre a figura do agente de licitação? O que muda na composição das equipes de apoio e comissão de licitação?
O agente de licitação é uma incorporação positiva na legislação, na medida em que se conferirá a um servidor a responsabilidade por conduzir a licitação. Estabelece a Lei que tal agente é a pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores ou empregados públicos pertencentes dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação.
O agente de licitação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo se induzido a erro pela atuação da equipe. Neste ponto a posição do agente se aproxima do que já previa a Lei 10.520/02 (Pregão) em relação ao pregoeiro que, efetivamente, era o responsável único pelos procedimentos.
Em licitações mais complexas, o agente de licitação poderá ser substituído por comissão formada por, no mínimo, 3 (três) membros que responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão. Pelo que se extrai do Projeto de Lei, nada mudou no que concerne à atuação da equipe de apoio e da Comissão de Licitação. O tratamento é o mesmo conferido pela Lei 8.666/93 e pela Lei 10.520/02.
Lei de Licitações atualizada: um incentivo à inovação tecnológica e ao desenvolvimento socioeconômico
- As mudanças possibilitam e/ou favorecem a contratação de inovações por parte do poder público em resposta às demandas sociais de qualidade no atendimento público?
Há aqui uma questão importante ser colocada, que diz respeito à introdução no Projeto de Lei de um novo objetivo para o processo licitatório, qual seja, “incentivar a inovação tecnológica e o desenvolvimento socioeconômico”. Sem dúvida, é um grande avanço, na medida em que o Poder Público deverá ter uma maior preocupação com o resultado de seus projetos e, consequentemente, com os gastos realizados em prol do atendimento à sociedade.
O pano de fundo para esta questão diz respeito à atual conjuntura brasileira de retomada - ainda que tímida em paralelo com a grande restrição fiscal imposta pelo e para o Estado. O contexto é de restrição orçamentária e limite do teto de gastos públicos aprovados para as próximas duas décadas. Neste patamar, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento.
Além disso, há, ainda, muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.
Haverá, portanto, a necessidade de construir novas parcerias, possibilitando às empresas atuarem com maior isonomia e dentro de padrões claramente estabelecidos pela Administração. Desta forma será possível conciliar inovação, restrição de gastos (aplicando-se recursos com eficiência) e resultados mais expressivos para a sociedade.
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